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O Caminho para Wigan Pier - George Orwell

Atualizado: 4 de mai. de 2022



Um Orwell que poucos conhecem


Escrever resenhas de certos autores e temas não é uma tarefa nada fácil, mas não deixa de ser prazerosa. Com George Orwell não poderia ser diferente. Escritor memorável e mundialmente famoso, principalmente por causa de dois grandes livros - "A Revolução dos Bichos" (1945) e "1984" (1949), Orwell possui uma rica e tortuosa história de vida. Socialista, mas anti-stalinista e defensor da justiça e da liberdade (sic), aparentava possuir uma genuína preocupação com as condições de vida da classe operária inglesa e com o avanço do fascismo e do autoritarismo.


"O Caminho para Wigan Pier", segundo dos três livros de não-ficção que ele escreveu nos anos 30, foi encomendado pelo editor britânico, e simpatizante das causas da esquerda, Victor Gollancz em janeiro de 1936. Na época, estimulado pelos trabalhos anteriores de Orwell, especialmente "Na Pior em Paris e Londres", Gollancz pediu a ele que contribuísse para uma série de publicações sobre as condições de vida na Inglaterra, mas não esperava que recebesse um texto tão provocativo e pouco afeito à pureza ideológica do seu Left Book Club (Clube do Livro de Esquerda). Tanto é que o livro só publicado na íntegra pela insistência da esposa e do seu agente, dado que o autor partira para lutar na Espanha pouco depois de concluir a obra.

Para escrever o livro, Orwell passou dois meses no Norte da Inglaterra, nas cidades de Wigan, Barnsley e Sheffield, convivendo com mineiros e suas famílias. Num país assolado por uma severa crise econômica e com milhões de desempregados, aquela região era particularmente afetada pela extrema pobreza. As condições de moradia e alimentação para a maioria da população que vivia no entorno das minas eram péssimas, assim com as de higiene.

Na primeira metade do livro, ele descreve com detalhes sua experiência e sua convivência com os locais, destacando o universo peculiar em que os mineiros viviam: um mundo subterrâneo, segundo ele, completamente à parte daquele da superfície, um mundo no qual a maioria das pessoas até preferia não ouvir falar, mas indispensável para o funcionamento da economia e da sociedade.

Nascido em 1903 na Índia e filho de um funcionário público, Orwell tinha uma admiração especial pela classe operária, principalmente pelo seu estilo de vida simples e nada rebuscado quando comparado à intelectualidade britânica e à burguesia de um modo geral. Com 18 anos, ele se considerava um esnobe e um revolucionário. Era contra qualquer autoridade e se definia vagamente como socialista. Durante os cinco anos que passou na Birmânia, de 1922 a 1927, como policial a serviço da Coroa, ele aprendeu a odiar o Imperialismo e, a partir daí, passou a abominar toda e qualquer forma de domínio do homem sobre o homem. Ele queria ficar ao lado dos oprimidos, ser um deles e lutar contra seus tiranos. E é justamente essa sua característica revolucionária que domina a narrativa da segunda parte do livro.


Orwell acreditava sinceramente que o socialismo significava justiça, liberdade e condições decentes de trabalho, e que o trabalhador genuíno captava mais suas implicações do que o marxista mais ortodoxo. Ele desconfiava das intenções dos tipos característicos de socialista - o tipo intelectual que escrevia panfletos, tinha cabelo desalinhado, usava pulôver e citava Marx constantemente. Era difícil acreditar que as motivações dessas pessoas fossem o amor por qualquer um ou, menos ainda, pela classe operária. Para ele, muitos socialistas não queriam mudar o estado atual das coisas, eles queriam apenas impor ordem num mundo supostamente desorganizado.


Apesar dessa visão crítica dos socialistas teóricos, Orwell tinha uma sincera crença de que as palavras progresso e socialismo estavam inseparavelmente unidas. O socialista, para ele, deveria ser sempre a favor da mecanização, racionalização e modernização. O capitalismo, por sua vez, teria a tendência de retardar o processo de invenção e melhorias da civilização, pois só focaria naquelas atividades que prometessem lucros mais ou menos imediatos. Ele, claro, desconsiderava a inovação como um processo intrinsicamente ligado ao próprio caráter competitivo do capitalismo, mas longe de julgá-lo por esse equívoco, vale a pena louvá-lo pelo seu genuíno interesse na melhoria das condições de vida dos trabalhadores de uma forma geral.


Além de sua preocupação com as condições de vida da classe operária, Orwell também tinha medo do crescimento do fascismo na Europa e no resto do mundo. Ele acreditava que apenas uma união em torno do que ele definia como socialismo, poderia evitar que o mundo fosse subjugado pela tirania. Para isso acontecer, entretanto, era preciso desenterrar o socialismo das camadas de presunção doutrinária, brigas internas partidárias e "espírito progressista mal digerido" que o dominava. Era preciso humanizá-lo, transformá-lo numa espécie de liga dos oprimidos contra os opressores.

Mesmo sendo escrito por encomenda, este é considerado um dos seus livros mais pessoais. Para Orwell, era impossível escrever algo legível sem lutar constantemente para apagar a própria personalidade. A boa prosa, para ele, era como uma vidraça.


George Orwell, na verdade Eric Arthur Blair, não viveu o suficiente para ver o socialismo se transformar no oposto do que acreditava, num instrumento de controle do Estado que pouco tem a ver com liberdade. Talvez hoje ele se considerasse um social democrata, mas duvido muito. O que podemos auferir com segurança de suas ações e obras é que ele era um ferrenho crítico do autoritarismo e um defensor contumaz da liberdade e do progresso humano.




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