Os Románov - Ato I
Tudo que se relaciona à Rússia é superlativo, idiossincrático e distante. Duas vezes maior do que o Brasil, ela é, de longe, o maior país do mundo em extensão territorial (Canadá, o segundo, é 40% menor). Para termos uma ideia do seu gigantismo, ela possui 11 fusos horários, e a distância entre seu extremo leste e oeste é de mais de 10 mil quilômetros.
Mas não é somente a geografia que impressiona, sua multietnicidade e sua história também são superlativas e complexas. Enquanto 80% de seus cidadãos são etnicamente russos, 20% se dividem em quase 200 etnias. Apesar disso, a quase totalidade dessas etnias considera a Rússia como seu lar, além de gozarem de certa autonomia e de preservarem sua língua, cultura e tradições nas regiões onde residem.
"O Convite dos Varegues", de Viktor Vasnetov: Rurique e seus irmãos, Sineus e Truvor, chegam às terras dos eslavos de Ilmen
Quanto à sua história, podemos dizer que ela começa com os varegues, um povo viking que migrou da Suécia para o território que hoje abrange a Rússia. Um crônica russa do século XII os chamavam de Rus. Um príncipe varegue de nome Riúrik, convidado pelos eslavos e outras tribos locais para governá-los, deu o ponto de partida para a formação do Estado Russo no ano de 862. Os sucessores de Riúrik, a começar por seu filho, Igor (878-945), deram continuidade a dinastia, que se estendeu até o ano de 1610, quando seu último tsar, Vassíli 4° (Vassíli Chúiski), foi deposto. O termo tsar, inclusive, originado da palavra romana "césar", só começou a ser usado oficialmente para designar o monarca russo a partir de 1547, com a coroação de Ivan IV, ou Ivan, o Terrível, o mais famoso dos Riúrik a governar a Rússia.
"Ivan, o terrível", por Klavdi Vasilievich Lebedev
Mas a história e o gigantismo da Rússia que conhecemos hoje se confunde com a história de outra dinastia, a dos Románov. Imponentes, déspotas, extravagantes e temidos, os Románov foram a representação máxima da autocracia e das idiossincrasias do poder russo. Seu primeiro tsar, Miguel Románov (Miguel I), foi eleito por uma Assembleia formada por aristocratas russos, conhecidos como boiardos, no vácuo de poder deixado pelo último Riúrik. O ano era 1613, e começava ali uma das mais bem-sucedidas dinastias que o mundo viria a conhecer, e que transformaria a Rússia num Império tão temido quanto singular. Um Império forjado em cima de rivalidades familiares, violência e excentricidades, mas também construído por conquistadores obstinados e estadistas brilhantes como Pedro e Catarina, e que produziu artistas como Púchkin, Tolstói, Tchaikóvski e Dostoiévski; uma civilização de alta cultura e sofisticada beleza.
Para termos uma ideia do espírito conquistador dos Románov, estima-se que depois que eles chegaram ao poder o Império Russo aumentou cerca de 140 quilômetros quadrados por dia, ou mais de 52 mil quilômetros quadrados por ano. No final do século XIX, eles governavam 1/6 da superfície da Terra - e continuavam em expansão.
A chegada de Pedro I ao poder em 1682, com apenas 10 anos, marca o início do fim de um período extremamente conturbado de transição, onde crises internas, intrigas políticas e muita violência ameaçavam constantemente a sucessão ao trono. Seu pai , o tsar Alexei, morreu em 1676 e seu meio-irmão Fiódor III, doente, governou por apenas 6 anos. Além desse cenário doméstico nada tranquilizador, havia também as ameaças externas, principalmente com os tártaros e otomanos ao sul e sudoeste, fora a rivalidade com poloneses e suecos a oeste e noroeste.
Vocacionado para a grandeza, Pedro era um chefe militar nato e um entusiasta ferrenho de novas tecnologias. Alto, forte, excêntrico, constumava recompensar efusivamente seus amigos e era implacável com seus desafetos. Mas o início de seu apogeu, assim como o da Rússia, seu deu com a vitória contra o poderoso exército sueco, que havia invadido o país em 1708, na batalha de Poltava, na atual Ucrânia. Liderando seus homens com a força de um verdadeiro líder e patriota, Pedro conseguiu transmitir a todos os seus subordinados o sonho de uma Rússia Imperial e majestosa. A dinastia dos Románov consolidava-se e se fortalecia como nunca.
"A Batalha de Poltava", de Ivan Alexeyevich Vladimirov
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Notas sobre o autor:
Simon Sebag Montefiori nasceu em Londres, em 1965. Formado em história em Cambridge e doutor em filosofia pela mesma universidade, teve suas obras traduzidas para mais de 45 idiomas e é membro da Royal Society of Literature e professor visitante da Universidade de Buckinggham. Seu livro Stálin ganhou o British Book Awards de melhor livro de história de 2004.
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