Os Románov - Ato II
Após a vitória contra os suecos liderados por Carlos XII em 1709 na cidade de Poltava, Ucrânia Central, Pedro muda o status da Rússia na Europa. O país passa ser uma grande potência e os Románov deixam de ser os bárbaros moscovitas da periferia europeia.
Pedro queria ser o primeiro servidor de um Estado racional, que ele tentava instituir com uma série de reformas administrativas e hierárquicas, mas seu estilo tirânico e idiossincrático impedia que essa racionalidade fosse posta em prática. Sua impulsividade o levou a ser derrotado pelos otomanos em 1711, ao se precipitar numa aventura militar fadada ao fracasso que poderia ter resultado na sua morte. Mas o desastre acabou sendo atenuado por um acordo de paz com o sultão Baltadji.
Em 1713 a capital da Rússia é transferida para Petersburgo, cidade construída por Pedro para refletir seu poder e suas aspirações. Ao contratar os melhores arquitetos e engenheiros da Europa, ele constrói palácios e edifícios grandiosos, tornando a cidade uma das mais belas do continente até hoje. Mas essa grandiosidade tinha um preço: sua nova cidade foi construída com trabalhadores escravos e criminosos condenados, que invariavelmente morriam sob condições de trabalho severas. Ao justificar o progresso a qualquer custo, Pedro justificava suas ações de terror pela necessidade de disciplinar seu povo:
"Nosso povo é como uma criança que só aprende o alfabeto se o professor a obriga."
"A compulsão é necessária em nosso país, onde o povo é noviço em tudo."
Alexei, filho de Pedro com sua primeira mulher, fica contra as reformas do pai e, instigado por alguns aristocratas, foge para Viena para tentar obter apoio do imperador Carlos I da Áustria para destroná-lo, mas acaba sendo preso e levado de volta para a Rússia. Ao ser torturado, confessa que planejava o assassinato do pai e é condenado à morte, mas morre na prisão antes de ser executado. Todos os conspiradores e aristocratas que o apoiavam são mortos ou exilados, ratificando a implacabilidade de Pedro contra seus inimigos e opositores.
A morte de seu filho Pedro "Petruchka", ainda criança, com Catarina I, sua última esposa, fustiga seus planos de sucessão. Mas mesmo em luto pela tragédia, ele ainda precisava encerrar a guerra contra a Suécia, que já durava 12 anos, e representava a maior ameaça à segurança de sua capital. A vitória definitiva com os suecos em 1721 ameniza sua dor e no ano seguinte, em 1722, numa comemoração que lembrava um triunfo romano, ele é proclamado "Pedro, o Grande, Imperador de toda a Rússia". A partir daí, Moscou se tornava a Rússia e o tsar era também Imperador (Pedro adotou a palavra romana imperator ). Três anos depois, com uma infecção urinária gravíssima, ele morre aos 53 anos, no 43º ano do seu reinado. A era de Pedro chega ao fim e a era das imperatrizes tem início. A Rússia já era uma potência, mas totalmente dependente do modelo autocrático de poder.
Pedro, o Grande
Nos 37 anos seguintes, até a chegada da emblemática Catarina II, a Grande, ao poder, a Rússia experimentou 5 monarcas diferentes, com destaque para as Imperatrizes Anna (1730-40), filha de Ivan V, meio-irmão de Pedro, e Elizaveta (1741-1762), filha de Pedro com Catarina I.
Anna era politicamente atenta e pessoalmente curiosa, mas também excêntrica e cruel. Seu governo foi marcado por intrigas entre seus aliados, mas com algumas vitórias militares marcantes, como contra os franceses na Polônia e contra os tártaros na Ucrânia. Politicamente atenta e pessoalmente curiosa, ela sabia que era dever de um autocrata garantir uma sucessão tranquila, mas estava determinada a evitar que sua sucessora fosse a popular Elizaveta. Considerada a garota mais linda da Rússia, Elizaveta causava inveja a Anna que, sem filhos, não tinha um sucessor natural. Ela, então, faz de sua sobrinha Anna Leopóldovna, sua herdeira, casando-a com um aristocrata apoiado pela Áustria. Entretanto, após sua morte, o reinado de Leopóldovna, uma governante clemente, mas totalmente inepta, dura menos de dois anos. Elizaveta, através de um golpe orquestrado por alguns aristocratas aliados e apoiada pela Guarda de Preobrajénski, a guarda imperial russa, toma o poder - mais uma prova de que governar a Rússia só era possível para aqueles que entendessem as idiossincrasias do país e tivesse personalidade o suficiente para ser o autocrata que todos ansiavam.
Elizaveta
Elizaveta, seguindo os passos do pai, restaura o orgulho e a autoridade imperial da Rússia após uma certa instabilidade desde sua morte. Sem filhos, obcecada por moda e dona de muitos amantes, Elizaveta fez boas escolhas de ministros e conseguiu conter os planos de Frederico, o Grande, o astuto Rei da Prússia, em sua intenção de depô-la em favor de Ivan VI, filho de Anna Leopóldovna. Ao escolher como sucessor seu sobrinho, Karl Peter Ulrich, que viraria Pedro III, ela abre caminho, na verdade, para Sofia Frederica Augusta de Anhalt-Zerbst-Dornburg, a futura Catarina, a Grande, que viria a se casar com ele.
Com a morte de Elizaveta, Pedro III, nascido em Kiel, no Sacro Império Romano-Germânico, assume o poder e logo aproxima-se de Frederico, o Grande, que estava em guerra contra a Rússia. Caprichoso e impopular, ele contrastava com a articulada e popular Catarina. Além disso, faltava a ele a característica essencial do autocrata russo: a vigilância implacável. Um golpe estava a caminho. Com o apoio maciço da Guarda Imperial e de importantes aliados e simpatizantes, Catarina obriga Pedro a abdicar e é aclamada como a nova Imperatriz da Rússia em 1762. Preso, Pedro acaba morrendo pelas mãos de um de seus carcereiros, mas as circunstâncias nunca foram esclarecidas de fato. Era mais uma tragédia, dentre muitas, pela luta pelo poder na Rússia.
Catarina, a Grande
Generosa e astuta, Catarina recompensou seus amigos e não puniu seus inimigos. Ciente de sua fragilidade no poder - seu filho Paulo era o único pilar legítimo de seu regime, ela trabalhava incansavelmente - "O tempo não me pertence, e sim ao Império". Apesar de famosa pelos seus vários amantes, não era a ninfomaníaca que muitos pensavam. Era uma monogâmica obsessiva e ansiava pela intimidade de uma família, pelo menos no seu conceito particular de família. Culta e apreciadora compulsiva de obras de arte, foi fortemente influenciada pelas ideias iluministas desde cedo, correspondendo-se durante muitos anos com figuras como Voltaire e Diderot. Seu apelido de a Grande surgiu dessa proximidade.
Política nata e realista quanto aos limites da autocracia, afirmava que as coisas deviam ser feitas de tal forma que as pessoas achassem que elas mesmas desejavam que fossem feitas dessa maneira. Abominava a escravidão, mas era extremamente cuidadosa em contestar os privilégios da nobreza, particularmente os proprietários de servos - não era fácil seguir as ideias iluministas sendo um autocrata russo. Era muito comum presentear seus favoritos com dinheiro e "almas".
No seu reinado a Rússia consolidou sua posição de potência naval no Mar Negro, com a conquista da Crimeia e a fundação de várias cidades ao longo da costa da Ucrânia. Sobre sua sucessão, Catarina queria que seu filho Paulo abdicasse ao trono para que seu neto, Alexandre, fosse o próximo sucessor da coroa. Paulo, com seu estilo prussiano ao extremo e admirador confesso de Frederico, o Grande, era um risco que ela não queria correr. Sua segunda opção, o irmão de Alexandre, Constantino, se mostrava uma alternativa perigosa dado o temperamento instável e violento do rapaz.
Catarina morreu aos 68 anos, após 35 anos de reinado. Ainda atormentado pela morte do pai, Pedro III, Paulo assume o trono e muda tudo que tinha relação com a mãe. Um de seus primeiros atos foi ordenar a exumação do corpo do pai e enterrá-lo junto com Catarina.
Paulo inspirava medo e, ao mesmo tempo, desprezo pelos seus compatriotas. Sua fixação pelo estilo prussiano de militarismo irritava o exército, mas ele não se importava em ser odiado. Excêntrico como um bom Románov e obstinado por regras de conduta, era apaixonado por cerimônias e desfiles militares. Devoto, Paulo se via não apenas como o líder da ortodoxia, mas de toda a cristandade, numa cruzada com a Áustria e a Grã-Bretanha contra o ateísmo da França, cujas conquistas ele repugnava e cujos ideais temia.
Mas seu estilo fantasioso e caprichoso fez brotar uma conspiração entre seus próprios aliados. Em 1801, menos de 5 anos após ser coroado, foi arrancado da sua cama enquanto dormia e assassinado brutalmente. Apesar da comoção que a violência do ato causou, sua morte representou um alívio para a maior parte da corte, inclusive seus parentes. E mal o cadáver esfriava, Alexandre, apesar de chocado com a morte do Pai, é levado a assumir o trono pelos próprios conspiradores. Constantino não era uma opção.
Alexandre, o preferido de Catarina, era um homem discreto, um exemplo de inescrutabilidade. Apesar disso, depois de tantos anos de um despotismo terrível de seu pai, muitas esperanças foram depositadas no seu reinado. Elegante e charmoso, suas ideias liberais provocaram, de imediato, reformas na estrutura de governo, com a criação de 8 ministérios em estilo ocidental. Apesar de ter buscado um política de neutralidade logo que assumiu, aproximou-se depois da Grã-Bretanha, da Áustria e da Prússia, já prevendo um guerra com a França de Napoleão Bonaparte.
Alexandre I e Napoleão Bonaparte
Alexandre tinha um misto de admiração, temor e desprezo por Napoleão, que viria a ser seu maior adversário na Europa naquele início de século. Mas antes que os dois impérios entrassem em guerra, Napoleão e Alexandre viveram uma espécie de lua de mel, discutindo, inclusive, num encontro histórico na fronteira dos dois impérios, a divisão da Europa entre eles. Mas a amizade entre os dois não dura muito e a guerra acaba sendo deflagrada. Apesar dos insistentes avisos para não atacar a Rússia, Napoleão invade aquele país em 1812.
Com uma força menor que os franceses, os russos se valem de uma tática de retirada e paciência, permitindo que Moscou fosse invadida e destruída pelas tropas de Napoleão. Alexandre, numa posição delicada, havia delegado o comando do seu exército para generais experientes, mas não se conformava com a estratégia de entregar Moscou. Na visão dos russos, a guerra era uma questão de honra e a vitória uma obsessão.
Napoleão, logo de depois de ocupar o Kremlin, envia uma proposta de paz a Alexandre: "Paz?", replicou Alexandre. "Mas nós ainda não fizemos a guerra. Minha campanha está só começando."
Com o inverno chegando e sofrendo algumas derrotas no front, Napoleão começa a recuar com o exército russo no seu encalço. A maior vitória dos russos sobre os franceses se dá na batalha de Leipzig, com a ajuda de prussianos, austríacos e suecos. Alexandre, no entanto, queria mais e invade a França. Paris se rende, e Napoleão é exilado em Elba. Era sua apoteose pessoal e seu triunfo milenar. O gigantesco esforço de guerra, da diplomacia à logística, foi a grande realização de Alexandre, não igualado por nenhum governante da Rússia em toda a história.
Alexandre era um homem sensível, mas não deixava de ser um autocrata. Quando algumas revoluções internas irromperam, ele não pestanejou em reprimi-las com extrema violência. Depois de quase 25 anos de reinado, entretanto, Alexandre começou a se sentir cansado de governar e escolheu seu filho Nicolau I como seu sucessor, mas não sem antes obrigar seu irmão Constantino a abdicar do trono. Em novembro de 1825, Alexandre, então com 47 anos, morre numa pequena casa de campo à beira do mar de Azov, provavelmente de febre tifoide. Era o fim do apogeu dos Románov e do Império Russo.
Link para as resenhas dos Atos I (Ascensão) e III (Declínio):
Edição em capa comum da Companhia das Letras; 1ª edição:
Notas sobre o autor:
Simon Sebag Montefiori nasceu em Londres, em 1965. Formado em história em Cambridge e doutor em filosofia pela mesma universidade, teve suas obras traduzidas para mais de 45 idiomas e é membro da Royal Society of Literature e professor visitante da Universidade de Buckinggham. Seu livro Stálin ganhou o British Book Awards de melhor livro de história de 2004.
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