O monopólio da verdade e a indústria da obediência
O que é a verdade para o senso comum senão o retrato da realidade como ela é, sem filtros ou interpretações? Algo que, supostamente, governo, mídia e empresas deveriam se ocupar para permitir ao público em geral tomar as decisões que fossem as melhores para suas vidas ou para a coletividade, sejam elas relacionadas à política, ao consumo ou à saúde.
Mas isso é uma utopia, claro, até porque interesses e ambições por controle e poder geralmente alimentam as narrativas que costumam subverter ou esconder a verdade. Apesar disso, assim como a própria realidade, ela sempre acaba se impondo no final, mesmo que isso demore.
Nesse livro da corajosa jornalista Paula Schmitt, ela coloca o dedo na ferida ao revelar o poder de manipulação a que estamos sujeitos e de como verdades fabricadas podem virar unanimidades incontestes e proibidas de serem questionadas.
Numa coletânea de artigos de sua autoria, com fontes e citações disponíveis em todos eles, Paula aborda temas que vão desde espionagem até saúde pública, revelando bastidores e segredos que colocam em xeque informações e notícias até então consideradas verdades absolutas pelo público em geral.
Partindo do princípio de que um dos principais objetivos do jornalismo é informar alguém do que ele não sabe e não ficar repetindo o que ele já sabe, Paula chama atenção para os vieses de certos meios de comunicação que ajudam a modelar a opinião pública de tal forma que mesmo pessoas bem intencionadas acabam sendo capturadas por um consenso bovino que emburrece mais do que esclarece.
Consenso que, aliás, transformou o simples questionamento numa heresia digna de condenação ao inferno, sem anistia. Uma insanidade que tomou forma durante a pandemia e reverbera até hoje nos mais diferentes assuntos, como o aquecimento global, a inviolabilidade das urnas eletrônicas, o identitarismo ou qualquer outro tema que mova paixões e ideias mais do que fatos e verdades. E quando as emoções se sobrepõem à razão, o medo se torna uma arma mais perigosa do que qualquer vírus, desastre natural ou preconceito social.
Para Paula, a subserviência nunca foi tão natural e tão obscena. Os moralmente falhos e os fracos de caráter são os primeiros a perseguir quem não se dobra, quem ousa duvidar da versão oficial, ou apenas quem busca a verdade. A maior parte das pessoas que faz isso pode não ser má, mas é sempre importante lembrar que a conivência dos bons ajudou a provocar algumas das maiores atrocidades já cometidas pela humanidade.
Consenso Inc. é uma obra jornalística na concepção real da palavra. Você, assim como eu, pode até discordar das ideias da autora ou mesmo de suas inferências (apesar do sem número de fontes que ela utiliza em seu livro), mas o que você não pode negar é que o que sabemos sobre qualquer assunto através da mídia tradicional, do governo ou mesmo da academia, é muito mais fruto do que eles querem que saibamos do que efetivamente o que existe para saber. Se você não acredita nisso, sugiro que não leia o livro.
Editora : AVIS RARA; 1ª edição (16 outubro 2023). Clique aqui para comprar o livro na loja da Amazon.
Notas sobre a autora: Paula Schmitt é uma das jornalistas investigativas mais proeminentes da atualidade. Mestre em Ciências Políticas e Estudos do Oriente Médio pela Universidade Americana de Beirute, ela é autora do livro de ficção Eudemonia e do de não ficção Spies. Venceu o Prêmio Bandeirantes de Radiojornalismo, foi correspondente no Oriente Médio para o SBT e Radio France, além de colunista de política da Folha de S.Paulo e Estadão. Publicou reportagens na Rolling Stone, GQ, 971mag, entre outros. Paula é a única jornalista brasileira a entrevistar dois extremos da longa guerra no Oriente Médio: o secretário-geral do Hezbollah, Hassan Nasrallah, e o ex-diretor do Mossad Shabtai Shavit.
