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Foto do escritorDalmo Moreira Junior

Apreendedorismo

Atualizado: há 10 horas


O amor pelo aprendizado

Aprender, conhecer, estudar e contemplar são atividades que vivem e pulsam dentro de cada um de nós, mesmo que, para muitas pessoas, elas aparentem estar adormecidas. A vida intelectual pertence a todos, e a ideia de que o aprendizado sério só é praticado por uma pequena elite é falsa. Somos seres inventivos por natureza, o suficiente para efetuarmos descobertas que nos justifiquem e nos permitam sentir, ainda que só por um instante, que algo faz sentido.


Para a filósofa Zena Hitz, no seu livro Imerso em Pensamentos, a atividade intelectual reside mais na busca do que na realização. E essa busca estaria diretamente associada com nossa capacidade de saborear o aprendizado em si, sem nos preocuparmos com seus resultados imediatos ou com sua utilidade aparente.


O amor pelo aprendizado poderia, desta forma, ser buscado de diversas formas e em vários níveis, mas seria no cultivo de uma vida interior que ele se manifestaria com mais intensidade. Para os antigos, de maneira geral, a especulação, a atividade de voltar-se à contemplação, o contemplar, o buscar a verdade desinteressadamente, seria uma atividade moralmente superior na medida em que nela o ser humano se realiza completamente. O homem que se voltasse à pura contemplação estaria vivendo a sua humanidade da maneira mais elevada possível.


Ler romances ou filosofia ajudaria a nutrir a vida interior uma pessoa, assim como o interesse vivido por equações geométricas ou o encanto pelos fenômenos da natureza. Quando pensamos e refletimos, lutamos para permitir que nossos anseios pela verdade prevaleçam sobre os desejos que conflitam com ela. Afastamos as barreiras menores e mandamos para longe as divagações ilusórias. Ao exercitarmos o amor pelo aprender, fugimos do que há de pior em nós, alcançando algo além daquilo que não nos basta.


A vida intelectual abre caminhos de relacionamentos que não se baseiam na utilidade do outro, mas no respeito mútuo à luz de um objetivo comum. O aprendizado pelo aprendizado une pessoas em busca de uma mesma direção, alimentando formas genuínas de comunidade. Livros, ideias e reflexões sobre a vida são maneiras de pensar no que compartilhamos enquanto humanos. Desta forma, o valor da vida intelectual reside na ampliação e no aprofundamento da nossa humanidade.


Quem ama aprender busca a realidade, não um escape. Se a vida intelectual envolve, essencialmente, ir além da superfície, questionar as aparências, desejar o que não é evidente, então ela não tem nada a ver com o que geralmente é chamado de "conhecimento" - absorção de opiniões corretas ou certezas absolutas. O estudo acadêmico é empolgante por si só, mas não representa nada em um mundo onde não há reflexão de primeira ordem, nenhum pensamento básico sobre a natureza humana ou sobre a estrutura e as origens do mundo.


Qualquer um que tenha um pouco de tempo para pensar pode alcançar a profundidade necessária para realizar qualquer empreendimento digno de nota. Para isso, no entanto, devemos libertar nossa intelecto e nossa imaginação em prol do que consideramos mais importante em nossos corações. A inteligência deve ser deixada livre para nos levar aonde for. Se ela for submetida a interesses econômicos, sejam eles pessoais ou públicos, ela racionalizará as agendas preexistentes em vez reformulá-las. Se não a deixarmos sossegar em sua esplêndida inutilidade, ela nunca dará seus frutos práticos.


Aprender por aprender é um componente essencial da nossa humanidade. Sem essa curiosidade aparentemente inútil, nunca teríamos produzido as bases de todo o conhecimento científico, as grandes obras da literatura, as sinfonias mais espetaculares e, acima, de tudo, nunca teríamos descoberto o prazer e a importância de compartilhar com o outro nossas descobertas e também nossas dúvidas.


Para Sócrates, só a observação do mundo e a análise das ideias podiam conduzir o homem à verdadeira virtude — e que só a verdadeira virtude pode construir uma sociedade justa e, também, guiar os indivíduos para a verdade. Ou seja, a virtude, tanto individual como social, depende desse profundo, minucioso exame de todo conhecimento prévio, e também de uma interiorização dos princípios mais elevados moralmente. E tudo isso nascia do questionamento sistemático das palavras e dos conceitos transmitidos oralmente.


A liberdade intelectual de pensar por conta própria é resultado direto do aprender desinteressado e apaixonado, e isso deve ser uma responsabilidade individual e intransferível. O amor pelo aprendizado pode e deve ser estimulado como antídoto contra as ideologias que insistem em nos desconectar da realidade e controlar nosso pensamento. Quando delegamos essa característica intrinsicamente humana para outras pessoas ou entidades, nos tornamos reféns das circunstâncias e vítimas da ignorância.


Devemos ser capazes, como pessoas livres, de fazer escolhas significativas e chegar às nossas próprias decisões, mesmo nas questões mais difíceis. Nossas limitações não podem ser usadas como justificativas, pois a porta está aberta para qualquer um que tenha vontade de aprender. Uma pessoa pode saborear o aprendizado mesmo quando está envolvida em outra atividade.


Aprender por aprender não deixa de ser uma exercício de antifragilidade, pois nos capacita a lidar com o desconhecido, de fazer as coisas sem necessariamente compreendê-las, mas fazê-las da melhor forma possível.


Permita-se reservar um tempo para a contemplação, silencie sua mente e encontre um meio de impulsionar sua criatividade, seja através da leitura de um romance ou na pintura de uma aquarela. Cultive sua vida interior tanto quanto cultiva a sua vida exterior. Encontre no aprendizado uma forma de expressar seu amor ao próximo.


Obs.: o termo "apreendedorismo" foi utilizado pela primeira vez pelo escritor e filósofo da educação Gabriel Perissé num artigo publicado na Revista Ensino Superior em 2016 (Edição 229 | O "apreendedorismo"). Nele, Gabriel associa o apreendedorismo como a disposição para aprender a fazer o melhor (o valioso), dentro de nossa condição de seres falíveis e perfectíveis. Empreender (na profissão e na vida) estaria em relação direta com o aprender.











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