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Apologia de Sócrates - Platão

Atualizado: 17 de abr.



Os clássicos nunca morrem


Apologia de Sócrates é o registro de uma das defesas mais famosas da história ocidental, mas também uma pequena obra-prima literária que, apesar de ter mais de 2.400 anos, continua ensinando e servindo de exemplo para todas as gerações.


Acusado de corrupção de jovens e de desrespeito aos valores comumente aceitos pela sociedade ateniense, Sócrates é considerado culpado e condenado à morte. Diante de seus acusadores e do júri, ele contesta sua condenação de forma clara e contundente, sem firulas retóricas ou qualquer tipo de subterfúgio.


Ao se defender de cada uma das acusações, mesmo sem ter esperança de mudar o resultado do julgamento, Sócrates desnuda a hipocrisia de seus acusadores, em especial Meleto, que ao acusá-lo de corromper a juventude, na verdade nunca havia se preocupado com ela.


É importante destacar que Sócrates não cobrava por seus ensinamentos e possuía uma genuína vontade de tornar a vida das pessoas melhor e mais virtuosa. Quando a sacerdotisa do oráculo de Apolo em Delfos afirmou que não havia ninguém mais sábio do que ele, Sócrates, consciente que era não era sábio em nenhuma medida, resolveu investigar por conta própria.


Ao questionar as pessoas mais proeminentes de Atenas, de diversas posições e ocupações, que se julgavam sábias tanto nas suas áreas de atuação quanto fora delas, Sócrates chega à conclusão que era mais sábio do que aquelas pessoas simplesmente por reconhecer que não julgava que conhecia algo que não conhecesse de fato. Isto o fez atrair desafetos e inimigos por onde passava, incitando ainda mais seus acusadores.


Quando indagado do porquê de se colocar em risco de morte ao arriscar-se a dizer o que pensava sem se preocupar com as consequências, ele respondeu: "Dizes algo incorreto, senhor, se pensas que um homem que tenha algum mérito, deve levar em consideração algum risco de vida ou de morte; a única coisa a que deve se ater em suas ações é se são justas ou injustas e se age como um homem bom ou um homem mau".


Sócrates não se considerava mestre de quem quer que fosse. Qualquer indivíduo, jovem ou velho, rico ou pobre, que desejasse ouvir seu discurso, era livre para fazê-lo. E esse era um dos seus principais argumentos a favor de sua inocência: na medida em que nunca prometeu nada a ninguém ou ministrou qualquer instrução deliberadamente, ele não poderia ser responsabilizado pela conduta daqueles que o seguiam.


Mesmo sabendo que ia morrer, Sócrates não considerava a possibilidade de que comutassem sua pena pelo seu silêncio, pois, para ele, seria uma desobediência a deus e uma afronta a seus acusadores. Ao afirmar que discursar todos os dias acerca da virtude e examinar a si mesmo e aos outros constituía o maior benefício para o ser humano, e que a vida sem esse exame não seria digna de ser vivida, não seria crível acreditar que ele ficaria calado.


O registro da defesa foi feito por Platão, seu discípulo. Para Sócrates a língua escrita era um discurso morto, enquanto a língua falada era um discurso vivo, um discurso formado por elementos dinâmicos, cheios de significado, de sons, de melodia, de ênfase, de entonação e de ritmo — elementos feitos exatamente para servir ao exercício de dissecar os fatos, as ideias, até chegar ao centro da verdade. A palavra escrita, ao contrário, era muda. Não podia responder. E essa rigidez silenciosa, esse mutismo das palavras escritas, condenava ao fracasso o processo de diálogo que Sócrates considerava como a essência da educação, da formação humana.


Para ele, só a observação do mundo e a análise das ideias podiam conduzir o homem à verdadeira virtude — e que só a verdadeira virtude poderia construir uma sociedade justa e, também, guiar os indivíduos para a verdade. Ou seja, a virtude, tanto individual como social, dependia desse profundo, minucioso exame de todo conhecimento prévio, e também de uma interiorização dos princípios mais elevados moralmente. E tudo isso nascia do questionamento sistemático das palavras e dos conceitos transmitidos oralmente. Tudo tinha de ser colocado em dúvida — e o método socrático, de diálogo constante, de perguntas e respostas, era o meio para alcançar as verdadeiras respostas.


Mais do que a defesa brilhante do maior filósofo de todos os tempos, Apologia pode ser considerada uma espécie de introdução ao pensamento socrático para aqueles que, como eu, detém pouco conhecimento sobre sua obra. Através do relato de Platão, podemos ter uma ideia de como vivia e pensava o grande filósofo, e também o quanto seus ensinamentos geravam desconforto para a sociedade ateniense. Ensinamentos que, por sinal, também seriam motivo de desconforto para a nossa sociedade atual. Afinal, questionar e colocar em dúvida a verdade, principalmente a verdade do establishment oligárquico da maioria das sociedades ocidentais, em especial a brasileira, não é tarefa das mais seguras hoje em dia.



Publicado pela Edipro, esta edição de bolso tem tradução, apresentação e notas de Edson Bini. Você pode comprá-lo na Amazon clicando aqui.


Notas sobre o autor: Platão de Atenas (seu verdadeiro nome era Aristocles) viveu aproximadamente entre 427 e 347 a.C. De linhagem ilustre e membro de uma rica família da Messênia (descendente de Codro e de Sólon), usufruiu da educação e das facilidades que o dinheiro e o prestígio de uma respeitada família aristocrática propiciavam. Seu interesse pela filosofia se manifestou cedo, e tudo indica que foi motivado particularmente por Heráclito de Éfeso, chamado O Obscuro, que floresceu pelo fim do século VI a.C.




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