O século XX, em especial o seu início, foi particularmente prodigioso em escritores e moralistas sombrios, refletindo as ardentes transformações e crises pelas quais o mundo passava. Mas Chesterton foi um tipo especial de escritor e de moralista. Ele foi, dentre os escritores geniais, um dos menos literários; e entre os moralistas, um dos mais lúcidos. Ele enxergava sua época como poucos, e traduzia essa visão de forma magistral em seus muitos livros e artigos.
Utilizando-se de sua melhor ferramenta, a palavra, ele andava na contramão do forte movimento secularista e ateu que dominava a Europa na virada do século XIX para o XX. Considerado um dos mais alegres moralistas cristãos, é reconhecido também como filósofo e teólogo pela profundidade de suas reflexões sobre a fé e o mundo moderno. Converteu-se do Anglicanismo ao Catolicismo por volta dos 48 anos, mas sua adolescência foi marcada pelo agnosticismo, que é a crença na incapacidade humana de saber se existem ou não divindades, pois elas estariam muito além da nossa compreensão.
Ortodoxia é a história da sua conversão ao Cristianismo, mas não na forma de uma descoberta, mas de uma redescoberta, como se fosse um grato retorno à casa de onde nunca deveria ter saído. Mas o livro é também a resposta um desafio: em seu livro anterior, "Hereges", Chesterton foi muito criticado por se limitar apenas a criticar as filosofias correntes, mas sem oferecer uma filosofia alternativa. Em Ortodoxia, ele apresenta sua visão de mundo, ou sua filosofia, através de uma defesa brilhante da sua fé.
Nos dois primeiros capítulos ele faz uma revisão do pensamento de sua época, predominantemente relativista e materialista. Para Chesterton, o excesso de lógica e pragmatismo, associado a uma forte contração espiritual, levaria o homem à loucura, destruindo sua humanidade. O materialista, como o louco, está em uma prisão: a prisão de seu próprio pensamento. As doutrinas espirituais, por sua vez, nos libertariam do determinismo, mantendo-nos lúcidos e sãos.
"A imaginação não gera a insanidade; é a razão que o faz. Não são os poetas que enlouquecem, mas os enxadristas".
Chesterton faz muitas comparações e analogias para explicar seu pensamento, construindo de maneira brilhante, bloco a bloco, suas conclusões. Um dos melhores exemplos é a comparação do círculo, símbolo da razão, com a cruz, símbolo do mistério da fé. O círculo, perfeito e infinito em sua natureza, estaria eternamente fixado em seu tamanho, nunca podendo crescer ou diminuir. Mas a cruz, apesar de ter em seu coração uma colisão e uma contradição, pode estender seus quatro braços infinitamente sem mudar de forma.
Defensor ardoroso da democracia e da tradição, Chesterton descobriu no Cristianismo uma forma autêntica e sem floreios de enxergar o mundo. Uma visão mais próxima da transcendência e da verdade universal de que somos livres para amar nossa própria imperfeição, contrapondo-se às certezas do homem moderno. A ortodoxia, neste caso, ao invés de ser algo monótono e seguro, seria tão perigosa quanto excitante.
Ao final, Chesterton conclui que viver sob dogmas claros não apenas nos mantém no caminho da moralidade e da ordem, mas também nos traz liberdade, inovação e avanço. Abraçar a fé no Cristianismo possibilita ultrapassar as limitações impostas pelos racionalistas, expandindo a percepção da realidade e reconectando-nos com a nossa própria humanidade. Através do seu credo a alegria se torna algo gigantesco e a tristeza algo específico e pequeno.
Uma das maiores qualidades de seu texto é a capacidade de revelar os paradoxos contidos nos discursos dos apologistas da razão e do materialismo. Ao contra-argumentar com lógica e elegância, mesmo que em alguns casos com certas doses de ironia, ele demonstrava não apenas um magistral domínio da língua, mas um espírito conciliador e tolerante com muitos daqueles que não partilhavam de suas crenças.
Ortodoxia é a obra de quem reencontrou o caminho de casa numa época cheia de vícios e certezas, não muito diferente desta em que nos encontramos hoje. Seu maior mérito é mostrar que esse caminho pode ser facilmente percorrido por qualquer um, desde que estejamos dispostos a enfrentar a encruzilhada contida no seu centro, que é a própria contradição da fé cristã.
"Tentei criar uma nova heresia, mas quando lhe dava os últimos retoques, descobri que era a Ortodoxia".
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Notas sobre o autor: Gilbert Keith Chesterton nasceu em Londres no ano de 1874. Estudou na St. Paul’s School e cursou belas-artes na University College London. Sua carreira como escritor começou em 1900, quando produziu alguns artigos sobre crítica de arte para uma revista. A partir daí, acabou se tornando um dos mais prolíficos autores de todos os tempos. Escreveu uma centena de livros e colaborou na edição de cerca de outras duzentas obras. Compôs centenas de poemas (como “A balada do cavalo branco”), cinco peças teatrais, cinco romances e aproximadamente duzentos contos.
A despeito de suas conquistas literárias, Chesterton se considerava sobretudo um jornalista frenético, e tinha bons motivos para isso. Ele redigiu mais de quatro mil textos jornalísticos, incluindo trinta anos de colunas semanais para o Illustrated London News e treze anos de colunas para o Daily News. Acrescente-se a isso seu próprio periódico, intitulado G. K.’s Weekly.
Sua versatilidade era espantosa. Ele tratava de crítica literária e social, história, política, economia, filosofia e teologia, sempre com a mesma desenvoltura. Advogou fervorosamente a causa da justiça social e da dignidade humana, além de ter se revelado um hábil apologeta da fé cristã. Sua personalidade vibrante permitiu que construísse calorosa amizade com o socialista George Bernard Shaw e o defensor da eugenia H. G. Wells.
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