Desvendando as Armadilhas Mentais que te Levam ao Endividamento
O mundo das finanças, por muito tempo, foi dominado por uma visão racional e lógica do comportamento humano. Acreditava-se que as pessoas tomavam decisões financeiras baseadas em análises rigorosas e cálculos precisos. No entanto, essa visão simplista se mostrou incompleta e, em alguns casos, até mesmo enganosa e potencialmente responsável por nos levar ao endividamento, como veremos mais adiante.
Foi a partir da década de 1970 que um novo paradigma começou a surgir: as finanças comportamentais. Essa área inovadora explora a influência de fatores psicológicos, emocionais e sociais nas decisões financeiras das pessoas.
Pioneiros como Daniel Kahneman, psicólogo ganhador do Prêmio Nobel de Economia em 2002, e Amos Tversky, economista e psicólogo falecido em 1996, foram os principais responsáveis por lançar as bases das finanças comportamentais. Através de estudos e experimentos inovadores, eles demonstraram que as pessoas frequentemente se comportam de forma irracional e inconsistente quando se trata de dinheiro.
Em seu livro Rápido e Devagar, Kahneman discorre sobre os dois sistemas de pensamento que guiam nossas decisões: o Sistema 1, rápido, intuitivo e emocional, e o Sistema 2, lento, deliberativo e racional. É a interação entre esses dois sistemas que gera as percepções mentais que influenciam nossas escolhas financeiras.
O trabalho de Kahneman e Tversky inspirou uma vasta gama de pesquisas e estudos que revolucionaram nossa compreensão do comportamento das pessoas em relação ao dinheiro. Autores como Richard Thaler, Robert Shiller e George Akerlof, todos ganhadores do Prêmio Nobel de Economia, contribuíram significativamente para o desenvolvimento da área.
As finanças comportamentais baseiam-se na ideia de que a maioria das decisões financeiras não são racionais, como defende a Economia Clássica. A economia tradicional afirma que basta gastar menos do que se ganha para gerar poupança para o futuro, mas as finanças comportamentais procuram compreender o porquê da maioria das pessoas não o fazer.
Portanto, na verdade, o mundo das finanças muitas vezes mais se assemelha a um labirinto complexo, onde decisões precipitadas e armadilhas mentais podem nos levar a um beco sem saída: o endividamento. É nesse contexto que as finanças comportamentais assumem um papel crucial, ajudando-nos a entender como vieses e heurísticas, emoções e crenças, que muitas vezes trazemos da infância facilitam nosso processo decisório, influenciam negativamente nossa relação com o dinheiro e aumentam o risco de contrairmos dívidas.
Como iremos ver neste artigo, as finanças comportamentais podem nos ajudar a compreender a nossa relação com o dinheiro, a tomar decisões mais informadas e a percebermos a motivação por trás do gasto de certos itens, mesmo quando nos comprometemos a poupar dinheiro. Além disso, ela nos ajuda também a identificarmos a influência de amigos e da família nas nossas emoções, tanto positivamente quanto negativamente.
Vieses e Heurísticas: Os Vilões da nossa História com as Dívidas
Em nosso dia a dia, somos bombardeados por diversas informações ao tomarmos decisões. De acordo com as estimativas publicadas em uma pesquisa no jornal americano Wall Street Journal em 2021, um ser humano toma cerca de 35 mil decisões por dia. Parece um número absurdo, pois nossa concepção do que é uma decisão que acaba sendo, muitas vezes, relacionada a grandes acontecimentos.
A verdade é que o cérebro toma muitas decisões no piloto automático, criando programações para executar tarefas de forma instintiva, poupando tempo e energia. Isto acontece quando fazemos tarefas corriqueiras ou que exigem pouco grau de concentração, como escovar os dentes, dirigir numa estrada vazia, amarrar os cadarços ou varrer a casa.
Para facilitar esse processo, o cérebro utiliza atalhos mentais chamados vieses e heurísticas. Vamos entender um pouco melhor sobre eles.
Vieses: também conhecidos como vieses cognitivos, são padrões ou tendências de ações que ocorrem quando alguém toma decisões com base em atalhos mentais (heurísticas) que são influenciados por fatores como emoções, intuição, crenças, valores pessoais e influência de terceiros, e que podem levar a conclusões imprecisas ou a lapsos de impulsividade, uma vez que deixamos de considerar cuidadosamente as informações racionais disponíveis.
Heurísticas: são regras simples que usamos para tomar decisões rápidas, geralmente baseadas em experiências passadas ou intuição. São como são regras de bolso, de fácil acesso, que agilizam e simplificam a percepção e a avaliação das informações que recebemos.
Em diversas situações da nossa vida as heurísticas são positivas, pois nos ajudam a pensar rápido e a evitar os perigos. Contudo, quando o cérebro toma decisões erradas baseadas nestas mesmas heurísticas, nós temos os vieses cognitivos.
Se por um lado elas simplificam enormemente a tarefa de tomar decisões, por outro podem nos induzir a erros de percepção, avaliação e julgamento que escapam à racionalidade ou que estão em desacordo com a teoria da estatística.
Esses erros ocorrem de forma sistemática e previsível em determinadas circunstâncias, e são também chamados de tendências, que são as decisões erradas que normalmente acionam nossos mecanismos internos de distorção da realidade para que a dissonância cognitiva (entre o real e o percebido) seja reduzida. Desse modo, mesmo quando cometemos grandes erros, geralmente possuímos uma história na nossa cabeça para justificá-los.
Como já deu para perceber, os vieses e heurísticas podem ter um impacto significativo em nosso comportamento financeiro, levando a decisões que prejudicam nosso orçamento e dificultam o controle das dívidas. Veja alguns exemplos:
Aversão à Perda: o medo de perder algo é muito mais intenso do que a alegria de ganhar a mesma quantia. Imagine um investidor que vende um ativo em queda por medo de perdas maiores, mesmo que a tendência de longo prazo seja de alta. Essa aversão à perda pode levá-lo a decisões irracionais que prejudicam seu patrimônio. Outro exemplo é adiarmos o pagamento de dívidas por medo da dor da perda, mesmo que isso gere juros e multas que aumentam a dívida total.
Desconto do Futuro ou Hiperbólico: a tendência a valorizar mais recompensas imediatas do que benefícios futuros. Essa armadilha mental dificulta o planejamento financeiro e a poupança, pois tendemos a priorizar o consumo presente em detrimento de objetivos de longo prazo que nos leva a:
Gastarmos dinheiro em coisas que nos trazem gratificação imediata, como compras desnecessárias ou viagens caras, mesmo que isso signifique renunciar a objetivos financeiros de longo prazo, como comprar uma casa ou se aposentar com tranquilidade;
Contrairmos dívidas para financiar desejos de curto prazo. Buscamos a satisfação instantânea financiando compras com cartão de crédito ou contratando empréstimos, mesmo sabendo que isso gerará juros e aumentará nossa dívida.
Efeito Manada: seguimos as ações da maioria, mesmo que sem embasamento racional. Imagine uma pessoa que compra um ativo em alta apenas porque todo mundo está comprando, sem analisar se o investimento é realmente adequado para seus objetivos. Essa busca por validação social pode levar a decisões financeiras desastrosas.
Excesso de Confiança: acreditamos ter mais conhecimento e controle do que realmente temos, levando a decisões impulsivas e arriscadas. Essa ilusória sensação de controle pode nos levar ao endividamento, como quando alguém contrai um crédito sem avaliar sua capacidade de pagamento.
Ancoragem: podemos gastar mais do que o planejado porque nos baseamos em preços anteriores, ignorando promoções e descontos. Esse viés é muito ativado na Black Friday, por exemplo.
Regra do Polegar: podemos tomar decisões de compra impulsivas baseadas em emoções momentâneas, sem considerar se realmente precisamos do produto ou se cabe no nosso orçamento. Melhor exemplo disso: gastar como se não houvesse amanhã no shopping porque estamos tristes ou frustrados.
Heurística da Disponibilidade: podemos superestimar o risco de eventos raros, como acidentes, e tomar decisões financeiras que limitam nossas oportunidades por medo infundado.
Viés da Contabilidade Mental: As Armadilhas Invisíveis
Além dos vieses vistos acima, existem outros comportamentos financeiros (como a contabilidade mental) que podem impactar a tomada de decisão de diversos modos, considerando os distintos aspectos cotidianos.
O viés da contabilidade mental se refere à nossa tendência de categorizar e separar mentalmente nossas finanças em diferentes "contas" psicológicas. Isso pode levar a comportamentos que no longo prazo nos endividam, tais como:
Compartimentalização dos Gastos: imaginemos que você recebe seu salário e decide separar R$500 para "gastos com lazer". Ao gastar esses R$500, você pode se sentir "livre" para usar o dinheiro restante em outras coisas, mesmo que já tenha ultrapassado seu orçamento total. Essa compartimentalização mental nos incentiva a subestimar o impacto de pequenos gastos e a perder o controle do nosso orçamento geral, levando a nos sentirmos livres para gastarmos tudo em algo supérfluo, mesmo tendo dívidas em aberto ou precisando economizar para um objetivo importante;
União entre Dinheiro Próprio e Emprestado: quando usamos dinheiro emprestado (como cartão de crédito ou empréstimo pessoal), tendemos a o considerar esse "dinheiro extra" como fazendo parte do nosso orçamento regular. Isso pode nos levar a gastar mais do que podemos pagar, acumulando dívidas;
Ignorando os Custos Oportunos: ao tomar decisões financeiras, muitas vezes focamos apenas nos custos e benefícios imediatos, ignorando os custos de oportunidade. Por exemplo: ao comprar um carro novo com dinheiro emprestado, estamos desistindo de investir esse dinheiro em algo que poderia nos trazer um retorno maior no futuro;
Negligenciando Pequenas Dívidas: pequenas dívidas, como as contas de serviços públicos ou multas de trânsito, podem parecer insignificantes individualmente. Mas quando acumuladas, podem se tornar um fardo significativo e dificultar o pagamento de outras obrigações;
Custo Afundado: nos apegamos a investimentos ou compras mesmo quando já sabemos que são perdas, apenas para evitar "desperdiçar" o que já foi investido. Isso pode nos levar a manter investimentos que não rendem ou que estão perdendo valor, ou a continuarmos usando produtos ou serviços mesmo quando não gostamos ou não precisamos deles. Pagamos por assinaturas que não usamos, renovamos contratos de serviços insatisfatórios ou mantemos produtos que já não servem, apenas para evitar o "custo afundado". Spolier: isso se aplica a relacionamentos também;
Enquadramento ou viés de confirmação: a maneira como as informações financeiras são apresentadas pode manipular nossa percepção e decisões. Isto pode nos levar a tomarmos decisões impulsivas em promoções que parecem "boas demais para ser verdade", mesmo que não precisemos ou não tenhamos dinheiro para o gasto. Também pode nos influenciar para ignorarmos custos ocultos, quando, por exemplo, focamos apenas no preço inicial de um produto ou serviço, ignorando os custos adicionais que podem surgir ao longo do tempo, como juros de cartão de crédito ou taxas de manutenção.
As Dívidas são uma Consequência dos nossos Comportamentos
Sob a influência desses vieses e heurísticas, caímos em armadilhas que nos aproximam cada vez mais do endividamento:
Gastos Impulsivos: dificuldade em controlar os impulsos de compra, levando a gastos desnecessários e acúmulo de dívidas;
Falta de Planejamento: ausência de um orçamento realista e de metas financeiras, dificultando o controle dos gastos e a poupança;
Má Gestão do Crédito: uso inadequado de cartões de crédito, contraindo dívidas com juros altos e rotativas;
Busca por Soluções Rápidas: opções de crédito fáceis e rápidas, como empréstimos payday, podem parecer tentadoras no momento, mas aprofundam ainda mais o endividamento.
Ainda falando especificamente de dividas, o efeito avestruz é um viés comportamental que consiste na tendência de ignorar informações potencialmente desagradáveis para evitar o desconforto psicológico que delas possa resultar. É o que acontece quando alguém evita ir ao médico, mesmo com dores, por medo do que possa descobrir um diagnóstico ruim. Em outras palavras, trata-se de um sofrimento antecipado.
Este viés funciona como um sedativo que impede frustrações ou arrependimentos, mas pode levar situações adversas a se perpetuarem desnecessariamente, como sair do endividamento. Nas finanças pessoais, são exemplos comuns de efeito avestruz:
· Evitar a olhar a fatura do cartão de crédito com medo do valor a ser pago;
· Criar dificuldades para alimentar uma planilha com os gastos mensais;
· Negar ou não reconhecer que precisa de ajuda;
· Não acompanhar o saldo devedor das dívidas.
O efeito avestruz está associado à procrastinação e a outros transtornos de ordem lógica, especialmente aqueles ligados à prevenção do sofrimento, como o viés de omissão. Uma consequência do efeito avestruz é a acumulação de prejuízos e a resistência em resolver as dificuldades, principalmente devido ao efeito dos juros compostos.
O viés de omissão é a tendência mental de subavaliar os efeitos de problemas causados por nossa omissão. Sendo assim, tendemos a acreditar que os feitos da nossa omissão são menores do que se tivéssemos agido de forma deliberada para provocar aquela situação. Exemplo: deixar a operadora do cartão fazer o parcelamento automático da fatura não paga ao invés de tentar compreender seu padrão de consumo e reduzir os gastos.
Conclusão: assim como uma doença não deixará de ser grave simplesmente porque deixamos de ir ao médico, uma situação de endividamento também não deixará de existir se permanecermos em negação.
Quebrando o ciclo do endividamento: uma luta contra os vieses
Sair do labirinto das dívidas e ter uma relação mais saudável com o dinheiro exige esforço e autoconhecimento. Aqui estão algumas ações que você pode praticar para sair da inércia que só prejudica a solução do problema do endividamento:
Identifique seus Vieses: reconheça quais vieses e heurísticas te influenciam e como eles impactam suas decisões financeiras;
Planeje-se: crie um orçamento detalhado, defina metas de longo prazo e acompanhe seus gastos regularmente. Conheça muito bem suas despesas e saibam para onde o dinheiro vai;
Postergue gratificações: resista à tentação de compras impulsivas e priorize seus objetivos financeiros de longo prazo;
Tenha uma reserva de emergência: ter algum dinheiro guardado diminuirá sua ansiedade e suscetibilidade a tomar decisões com base em heurísticas ruins.
Procure também se fortalecer no processo. Leia sobre o assunto, acompanhe bons influenciadores e, se for difícil demais sozinho, procure ajuda.
Se você acredita que o momento de escrever uma nova história para sua vida financeira chegou, venha caminhar comigo!
Conheça mais sobre a mentoria e vamos conversar sobre como eu posso te ajudar.
Estou te esperando.
Renata Castro é autora do blog Red Umbrella e Educadora Financeira do canal Red Umbrella Money que te oferece conteúdo descomplicado e de qualidade para te ajudar a sair das dívidas e a lidar bem com o dinheiro. Siga @redumbrella_money
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