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Democracia, o Deus que falhou - Hans-Hermann Hoppe

Atualizado: 18 de fev.



Uma obra corajosa e necessária

Esqueça tudo o que você pensa sobre democracia e abra sua mente para uma revisão das suas crenças sobre a história moderna e também sobre a própria existência do Estado. Disruptiva e libertária, esta obra de Hans-Hermann Hoppe desconstrói conceitos arraigados sobre o chamado governo da maioria e faz uma defesa intransigente dos valores morais e culturais que formam a base da civilização ocidental.


Sob uma ótica econômica e filosófica, o autor descreve como a democracia é incompatível com a propriedade privada (propriedade particular e autonomia individual) e com a noção de liberdade que tanto prezamos. A experiência democrática é desconstruída e interpretada como um declínio civilizatório que caminha invariavelmente para a tirania e a degradação moral da sociedade. Todo governo, ao maximizar a sua riqueza e os seus rendimentos por meio da expropriação, representa uma ameaça constante ao processo de civilização.


Segundo o autor, não é o governo, seja ele monárquico ou democrático, a fonte da civilização humana e da paz social, mas sim a propriedade privada (bem como o reconhecimento e a defesa dos direitos de possui-la), o contratualismo e a responsabilidade individual. A teoria ortodoxa da história – segundo a qual a humanidade marcha continuamente “para frente”, rumo a níveis cada vez maiores de progresso – está incorreta. Sob o ponto de vista daqueles que preferem menos exploração a mais exploração e que valorizam a visão de longo prazo (orientada para o futuro) e a responsabilidade individual mais do que a visão de curto prazo (orientada para o presente) e a irresponsabilidade individual, a transição histórica da monarquia para a democracia representou, na verdade, declínio civilizatório – e não progresso. Se a tendência à exploração e à visão de curto prazo (orientada para o presente) permanecer em seu curso atual, os estados democráticos ocidentais de bem-estar social entrarão em colapso – assim como ocorreu com as repúblicas socialistas populares do Leste Europeu no final da década de 1980. Uma alternativa positiva para a monarquia e a democracia – a ideia de uma ordem natural – deve ser delineada e compreendida.


Na visão de Hoppe, embora qualquer pessoa tenha o direito de obter ingresso no governo, isso não elimina a distinção entre governantes e governados. O governo e povo governado não são a mesma entidade. E essa é uma das falácias dos defensores da democracia, pois o zelador democrático, ou o governante de ocasião, age em desacordo com os interesses dos detentores da propriedade privada. Em vez de envolver-se com a preservação e o aumento dos valores do capital, ele se preocupará principalmente com a defesa e a promoção da sua própria posição contra a concorrência de novos entrantes no governo. Seguindo esse raciocínio, a competição democrática, na verdade, é algo pior do que ruim. Com a liberdade de entrada no governo, qualquer pessoa tem o direito de expressar abertamente o seu desejo pelas propriedades dos demais. O que era anteriormente considerado imoral (e, em função disso, reprimido) é atualmente considerado um sentimento legítimo. Sob a democracia, todos se tornam potencialmente uma ameaça. Em vez de colonização, cultura e aculturação, a democracia promove degeneração social, corrupção e decadência.


Os primeiros-ministros e os presidentes são selecionados graças à sua comprovada eficiência como demagogos moralmente desinibidos. Assim, a democracia praticamente assegura que somente indivíduos de caráter duvidoso alcançarão o topo da hierarquia governamental; na verdade, em decorrência da livre concorrência política, aqueles que ascendem se tornarão cada vez piores como indivíduos. Após mais de um século de democracia compulsória, os resultados previsíveis são evidentes. A crescente carga tributária imposta aos proprietários e aos produtores faz com que o ônus econômico imposto sobre os escravos e os servos feudais pareça moderado em comparação. Ao passo que nós nos tornamos cada vez mais indefesos, empobrecidos, ameaçados e inseguros, os nossos governantes se tornaram cada vez mais corruptos, perigosamente armados e arrogantes (qualquer semelhança com o Brasil atual não é mera coincidência).


A sucessiva expansão da democracia e, por fim, o estabelecimento do sufrágio adulto universal fizeram dentro de cada país o que uma democracia global faria no mundo inteiro: colocar em marcha uma tendência aparentemente permanente à redistribuição de riqueza e de renda. O princípio “um homem, um voto”, combinado com a “livre entrada” no governo democrático, implica que todas as pessoas (assim como os seus bens pessoais) ficam à mercê de serem pilhadas por todas as outras. A propriedade privada, dessa forma, torna-se incompatível com a democracia – assim como ela é incompatível com qualquer outra forma de poder político.


Para Hoppe, o curso da história é determinado pelas ideias, sejam elas verdadeiras ou falsas, e por homens agindo de acordo com – e sendo inspirados por – essas ideias. A atual bagunça também é consequência da aceitação maciça, por parte da opinião pública, da ideia da democracia. Essa crença está alicerçada pela doutrinação, desde muito cedo, da propaganda governamental em escolas públicas e em instituições educacionais por legiões de intelectuais certificados pelo governo. E ele vai mais além: numa sociedade corrompida por um sistema democrático em estágio avançado, o sucesso não é garantido pela capacidade de empreender, de trabalhar e de satisfazer as necessidades e os desejos dos consumidores. Ao invés disso, é por meio da persuasão, da demagogia e da intriga – bem como por meio de promessas, de subornos e de ameaças – que se alcança o topo. É desnecessário dizer que essa politização da sociedade, implícita em qualquer sistema de propriedade coletiva, contribui ainda mais para o empobrecimento e a miséria.


No curto prazo – que é o que importa para o governante democrático –, o indivíduo não produtivo, que tem uma probabilidade maior de votar em favor das medidas igualitaristas, pode ser mais valioso do que o gênio produtivo, o qual, sendo a principal vítima do igualitarismo, tem uma probabilidade maior de votar contra os planos igualitaristas do governante democrático. Numa sociedade onde impera o assistencialismo governamental implementado de forma coercitiva através da transferência da riqueza dos "ricos" (possuidores) para os "pobres" (não possuidores), há um aumento da taxa social de preferência temporal – as pessoas, em geral, se tornarão mais orientadas para o presente, promovendo um horizonte de planejamento cada vez mais curto (visão de curto prazo). Neste cenário, as preferências temporais crescentes, em conjunto com o relativismo moral, fornecem o terreno fértil perfeito para os criminosos e os crimes – uma tendência particularmente evidente nas grandes cidades. O assistencialismo, assim, deveria ser reconhecido como uma questão exclusiva das famílias e da caridade voluntária; e o estado assistencialista (de bem-estar social) deveria ser reconhecido como a subvenção da irresponsabilidade.


O século XX pode muito bem ser descrito como o século por excelência do socialismo, do comunismo, do fascismo, do nacional-socialismo (nazismo) e, mais perenemente, da social-democracia (liberalismo e progressismo). Desde Locke, os liberais tentaram solucionar essa contradição interna através do expediente de acordos, contratos ou constituições “tácitos”, “implícitos” ou “conceituais”. No entanto, todas essas tentativas caracteristicamente tortuosas e confusas somente contribuíram para uma única conclusão inevitável: é impossível obter uma justificativa para a existência do governo a partir de contratos explícitos entre donos de propriedades privadas. A aceitação errônea e equivocada, pelo liberalismo, da instituição do governo – declarando que ela é coerente com os princípios liberais básicos de autopropriedade, de apropriação original, de propriedade e de contrato – consequentemente o conduziu à sua própria destruição. Em contraste com a intenção original dos liberais de preservar a liberdade e a propriedade, todo governo mínimo possui uma tendência inerente de se transformar em um governo máximo.


Sob a democracia, todos são iguais na medida em que a entrada no governo está liberada para todos nas mesmas condições. Sob a democracia, não há privilégios pessoais ou indivíduos privilegiados. Entretanto, existem privilégios funcionais e funções privilegiadas. Na medida em que atuam como funcionários públicos, os agentes do governo democrático são regidos e protegidos pelo direito público e, assim, ocupam uma posição privilegiada vis-à-vis os indivíduos que atuam no âmbito da mera autoridade do direito privado (essencialmente, podendo sustentar as suas próprias atividades através dos impostos impingidos sobre indivíduos submetidos ao direito privado). Os privilégios e a discriminação jurídica não desaparecem. Pelo contrário: ao invés de ficarem restritos apenas aos príncipes e aos nobres, os privilégios, a discriminação jurídica e o protecionismo podem ser exercidos por – e concedidos a – todos.


Na natureza humana, o direito de autopreservação implica o direito de propriedade, e qualquer propriedade individual de bens retirados do solo pelo homem exige a propriedade do próprio terreno. Mas o direito de propriedade seria inútil sem a liberdade de usá-lo; a liberdade, portanto, decorre do direito de propriedade. As pessoas florescem como animais sociais, e através do comércio e do intercâmbio (troca) de propriedades (bens) elas maximizam a felicidade de todos. Manter e desenvolver a sua personalidade é um direito universal do homem. Tal direito não pode ser submetido às loucuras e às fantasias de determinados indivíduos e, portanto, não pode ser transferido de uma pessoa para outra. O contrato do governo – o qual é a base jurídica de todos os poderes civis –, assim, possui os seus inerentes limites. Não há nenhum ato de submissão pelo qual o homem pode renunciar à sua condição de agente livre e escravizar-se, pois através desse ato de renúncia ele abriria mão da própria característica que constitui a sua natureza e a sua essência: ele perderia a sua humanidade.


No campo jurídico, segundo Hoppe, nenhuma Constituição pode se interpretar ou se aplicar sozinha, por si mesma; ela precisa ser interpretada e aplicada pelos homens. E, se o poder de última instância da interpretação de uma constituição é concedido ao Supremo Tribunal daquele próprio governo, então a tendência inevitável é que essa corte continue a dar a sua aprovação a poderes cada vez mais amplos para o seu próprio governo.


“É o direito do povo modificá-lo ou suprimi-lo e instituir um novo governo, o qual será fundamentado e terá os seus poderes organizados nos princípios e nas formas que sejam os mais prováveis de garantir a segurança e a felicidade das pessoas.” (Declaração de Independência dos Estados Unidos).


Como Thomas Jefferson escreveu na Declaração de Independência, o governo é instituído para proteger a vida, a liberdade e a busca da felicidade, baseando a sua legitimidade no consentimento dos governados. Se o governo não faz o que ele foi projetado para fazer, declarou Jefferson, “é o direito do povo modificá-lo ou suprimi-lo e instituir um novo governo, o qual será fundamentado e terá os seus poderes organizados nos princípios e nas formas que sejam os mais prováveis de garantir a segurança e a felicidade das pessoas”.


Hans-Hermann Hoppe faz uma defesa, ao longo da parte final do livro, de uma espécie de libertarianismo conservador, dado que, ao mesmo tempo que defende um Estado praticamente inexistente, ele entende que a família é o centro decisório e autônomo de qualquer civilização digna do nome. Para nós que estamos acostumados a enxergar o Estado como onipresente e todo poderoso, a visão de Hoppe exige um certo desprendimento e um posicionamento politicamente incorreto para sua compreensão. E isso é justamente o que atrai no livro, pois não há qualquer compromisso em agradar seja lá quem for. Para os incautos que bebem de fontes progressistas em demasia, sugiro deixar esse livro de lado.



A versão em capa comum foi publicada pela LVM Editora. Você pode comprar o livro na Amazon clicando aqui. Também disponível na versão para o Kindle.


Notas sobre o autor: Hans-Hermann Hoppe é Professor Emérito de Economia da University of Nevada, nos EUA, e Distinguished Fellow of the Ludwig von Mises Institute. Foi aluno de Filosofia, Sociologia, Economia e Estatística na Universitate des Saarlandes, Saarbruecken, na Alemanha, e cursou o mestrado em Sociologia, o doutorado em Filosofia e o pós-doutorado em Sociologia e Economia pela Goethe University, em Frankfurt, na Alemanha. Foi professor e/ou pesquisador da University of Michigan, da Universitaet Wuppertal, da Technische Universitaet Braunschweig e da Johns Hopkins University. É membro fundador da The Property & Freedom Society, editor do The Journal of Libertarian Studies e co-editor do The Quarterly Journal of Austrian Economics. É autor de inúmeros artigos e diversos livros, dentre eles A Ciência Econômica e o Método Austríaco (Instituto Ludwig von Mises Brasil, 2010) e Uma Teoria do Socialismo e do Capitalismo (Idem, 2013).





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