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Foto do escritorDalmo Moreira Junior

A eficácia no pensamento chinês

Atualizado: 10 de jul.

Este texto é uma compilação das três partes da resenha do livro "A Treatise on Efficacy", de François Jullien, que eu publiquei no ano passado. Achei que compilar todos os textos, acrescentando algumas observações da minha experiência com o Ving Tsun, uma modalidade de arte marcial originária do Kung Fu, poderia ajudar os leitores a entender melhor a complexidade do tema envolvido e, quem sabe, aplicar alguns dos ensinamentos em seu dia-a-dia.


Bem, vamos lá.


Sobre o Livro

Escrever sobre o pensamento chinês para ocidentais não é trivial. As diferenças de modelos mentais são, ao meu ver, as principais fontes de divergências e incompreensões entre as duas culturas. Em "A Treatise on Efficay", François Jullien investiga, de maneira sutil, a metafísica das duas civilizações para explicar os padrões de ação divergentes na guerra, política e diplomacia. Embora o modelo ocidental de eficácia, herdado da concepção de ação dos antigos gregos, busque atingir diretamente um objetivo predeterminado por meio de uma ação voluntária e assertiva, os chineses tendem a avaliar o poder inerente a uma situação (shi) e transformá-lo por meio da não assertividade, baseando-se na "propensão" das coisas de tal forma que o resultado ocorra por si mesmo. Jullien mostra como essas estratégias ocidentais e chinesas funcionam em vários domínios (o campo de batalha, por exemplo) e analisa os dois tipos de atos de guerra resultantes. O estrategista chinês, por exemplo, manipula suas próprias tropas e o inimigo para vencer uma batalha sem travar uma guerra e para obter a vitória sem esforço. A eficácia na China é, portanto, concebida em termos de transformação (em oposição à ação) e manipulação, tornando-a mais próxima do que é entendido como eficácia no Ocidente.


"A Treatise on Efficacy" é uma obra essencial para entender o eterno debate intelectual entre Leste e Oeste. Longe da superficialidade e do misticismo utilizados como mecanismos de simplificação do entendimento do pensamento chinês por parte de alguns de nós, ocidentais, o livro nos leva a mergulhar nas origens milenares das duas formas de pensar e ver o mundo. Ora complementares, ora totalmente divergentes, elas nos ajudam a enfrentar os desafios inerentes à nossa própria condição humana, cercada de incertezas e imprevisibilidades.


Entender a diferença entre transformação e ação é fundamental para nós, ocidentais, entendermos a lógica da eficácia e a busca por resultados quando as comparamos com aquelas produzidas pelo pensamento oriental. Quando enxergamos os eventos nos quais nos deparamos, em termos de transformação, podemos obter uma clareza melhor do que está se configurando à nossa frente antes de decidirmos por um curso de ação que pode por tudo a perder.

O potencial da situação

A tradição ocidental concebe a eficácia a partir de formas abstratas, ideais, que se configuram como modelos a serem projetados no mundo e que deliberadamente estabelecemos como uma meta a atingir a partir de um plano. É uma tradição baseada em meios e fins, ou na inter-relação entre teoria e prática. Na China, entretanto, descobrimos um conceito de eficácia que nos ensina a aprender como permitir que um efeito (ou uma meta) aconteça: não objetivá-lo (diretamente), mas implicá-lo (como consequência), ou seja, não fazê-lo. Em outras palavras, não buscá-lo, simplesmente permitir que ele aconteça.

Essa definição, por si só, já estabelece a diferença básica entre os dois modelos mentais abordados no livro de François Jullien. O pensamento ocidental nos orienta em direção à obtenção de um resultado a partir de uma determinada ação, já o pensamento chinês nos orienta a agir de acordo como a situação vai se transformando. E essa é a grande sutileza que os diferencia, dado que a maioria de nós considera a ação como um meio para se atingir um resultado, construindo modelos que se submetem à prática e planejando todas as ações até atingirmos a meta desejada.


Cabe ressaltar que o objetivo do livro não é comparar as duas tradições para escolher, entre as duas, a mais eficaz, e sim para nos ajudar a compreender que podem existir formas alternativas ou complementares para buscarmos determinados resultados, e que estas formas não passam necessariamente pelo modelo mental a que estamos acostumados. A escolha de um ou outro também não significa garantia de eficácia, mas sim de autoconhecimento, de desconstrução e de (re)descoberta.


É importante termos em mente que cada cultura desenvolveu seu próprio caminho rumo à sabedoria, e que não podemos desconsiderá-los e tampouco desrespeitá-los. A sabedoria milenar, não importando a origem, foi amplamente testada pelo tempo e permanece válida em qualquer contexto.


O pensamento chinês está fora de nossa sabedoria convencional, pois não constrói modelos de mundo a que estamos acostumados, sejam eles ideais ou arquétipos. Ele considera toda a realidade como um processo regulado e contínuo que decorre puramente da interação dos fatores em jogo (que são ao mesmo tempo opostos e complementares: os famosos yin e yang).


O autor cita como exemplo o sábio chinês que, em vez de estabelecer um modelo que sirva de norma para suas ações, tende a concentrar sua atenção no curso das coisas em que se encontra envolvido, a fim de detectar sua coerência e obter um resultado positivo à medida que elas evoluem. Trazendo para nossa realidade, ao invés de impormos um plano para o mundo, nós poderíamos contar com o potencial inerente da situação (potencial aqui significa uma coleção de circunstâncias favoráveis), possibilitando, assim, a realização de menos esforço e a obtenção de mais resultado.


O potencial da situação não pode ser visto com antecedência, apenas detectado, dado que muda o tempo todo. Podemos fazer uma analogia com um oponente num combate, onde não é possível prever seu posicionamento e configuração corpórea, mas podemos detectar quando isso acontece. Como resultado, constatamos que a estratégia não pode ser determinada antecipadamente, mas apenas com base no potencial da situação que se (trans)forma. É a evolução das condições que se apresentam a cada momento que determina a ação supostamente mais eficaz a ser tomada. É uma relação de condição e consequência ao invés de uma relação de meios e fins. Enquanto que na tradição ocidental procuramos a eficácia pela ação, na tradição chinesa se busca a eficácia pela transformação.


Toda situação, ou mesmo um conflito em potencial, tem um potencial inerente a ela. Seja um crise iminente, uma agressão que está prestes a ocorrer ou mesmo uma discussão que começa a tomar um rumo não desejado, a sua transformação ocorre diante de nossos olhos e sentidos.

Na cultura chinesa não há épicos, dado que, ao contrário da cultura ocidental, não existe o culto à ação - heroica ou trágica. Um general que obtém a vitória sem destruir o inimigo, fazendo-o desistir de lutar, consegue ser mais eficaz do que aquele que, valendo-se de todos os seus recursos militares, destrói seu inimigo completamente. É a vitória pela desconstrução, pela transformação do potencial da situação em eficácia. Para o ocidente, ao contrário, um general geralmente só é valorizado e reconhecido pelo resultado das suas ações no campo de batalha. Enquanto a ação é visível, a transformação é como o vento - invisível, mas cujos efeitos são perceptíveis em todos os lugares.


Talvez essa peculiaridade da cultura chinesa seja a menos compreendida, dado o nosso hábito que enaltecer grandes feitos pelos seus resultados visíveis.


A ilusão do ativismo

Para o ocidente, oportunidade significa o momento favorável que é oferecido pelo acaso e que a habilidade nos permite explorar. Para os chineses, ela é determinada pelo potencial da situação. Vista pelo ponto de vista da transformação, uma oportunidade é simplesmente o final de um processo. O potencial da situação, neste caso, deve ser detectado no momento em que se configura. Desta forma, ao invés de aproveitar uma oportunidade fugaz, correndo riscos de perdermos o controle e não produzirmos resultado algum, estaremos em posição de acompanhar cada passo de seu desenvolvimento e certos - e prontos - para aproveitá-la no momento certo. Enquanto que do lado ocidental uma oportunidade é fundamentalmente trágica, única e não repetível, para os chineses ela é concebida como uma transição, uma emergência momentaneamente visível de uma contínua transformação. Esperar, nesse caso, é o corolário da antecipação. Para o sábio, se a situação é completamente desfavorável e mostra nenhum sinal a seu favor, ele espera.


E como a eficácia pode resultar de esforço algum (a não ação)? Ao contrário do ocidente, que considera a não ação como o reverso da ação heroica, representando renúncia e passividade, para os chineses é refreando nossas ações (sabendo não agir) que damos origem ao que desejamos como resultado. Aqui temos duas lógicas antagônicas: a lógica do ativismo e a lógica do não envolvimento. Enquanto que na primeira quanto mais você conquista, mais você corre o risco de perder, na segunda a transformação implícita toma o lugar da ação direta, fazendo com que você permita que as coisas aconteçam sem recorrer à ação planejada (você age sem agir).


Para entendermos melhor como isso se aplica à eficácia, devemos imaginar que uma ação, ao se fundir com o curso espontâneo das coisas, torna-se indetectável. Desta forma ela passa desapercebida por aqueles que se contraporiam a ela (menor resistência), possibilitando um resultado mais eficaz à medida que a situação se configura a seu favor. Enquanto a ação, pré-fixada num plano, é sempre marcada pela natural arbitrariedade de seu movimento inaugural e precisa de algum nível de força (ou esforço) para se infiltrar na realidade, a reação é, desde o início, sempre justificada por qualquer coisa que dê origem a ela, tornando-se móvel e alerta ao menor sinal de mudança. A primeira transcende a natureza física das coisas (transcendente) a a segunda está inseparavelmente contida na natureza de um ser ou de um objeto (imanente).


Agir em detrimento da configuração que a situação ao qual você se defronta vai se transformando (ou se transfigurando) é o mesmo que desconsiderar (ou ignorar) a capacidade do outro em reagir (ou não reagir) de forma exatamente contrária ao que foi (ou não) imaginado. Seu impulso de agir, fixado num plano mental pré-concebido e sem considerar a contra-reação do evento em curso, pode resultar num prejuízo imprevisível e, algumas vezes, fatal.


Agora, como permitir que os efeitos aconteçam, como produzir efetividade? Para o ocidente estas questões são frequentemente levantadas no contexto das ciências e da tecnologia, isto é, em circunstâncias em que podemos construir um objeto que é estável e claramente definido (visível); e também é levantada nos domínios da arte e do discurso - estética e retórica - onde se trata de produzir um determinado efeito (beleza ou persuasão). Para o pensamento chinês, entretanto, considera-se que um efeito não deve ser medido por aquilo que podemos ver, por aquilo de que estamos cientes e, portanto, falamos sobre, pois o aspecto visível de um efeito é de mínima importância. O efeito deve parecer resultar puramente da situação e fundir-se com sua coerência. Deve ser aceito por todos como inelutável - como se fosse algo que aconteceria e não fosse imposto de forma alguma.


Essa é a essência da ilusão do ativismo: o que não é visto, ou observável, é mais importante do que aquilo que é visível.

Para os chineses, qualquer efeito que resulte do uso da força, ou que dependa dela, está condenado à efemeridade, dado que uma vez que qualquer manifestação de força tende a ser temporária, qualquer efeito que dependa da força logo se esgotará. Um efeito não deve ser forçado, não se deve tentar dominá-lo e deve-se evitar saturá-lo, ou seja, devemos evitar o excesso. O efeito ocorre não quando transborda, mas quando começa a acontecer. Para o Tao (ou o Caminho em chinês) quem busca o transbordamento não busca a plenitude. Não há futuro para o que está cheio; pois ele só pode transbordar. Ao passo que o que não é pleno aspira à plenitude e assim pode renovar-se.


O melhor uso da força é aquele em que ela se faz minimamente necessária, ou seja, como o menor uso de energia possível.


O vazio como estratégia

A verdadeira eficácia parece o reverso de um efeito completo, nunca atinge o seu resultado e é precisamente por isso que continua a provocá-lo. Esvaziar-se de regras pré-estabelecidas e proibições é manter a realidade em movimento e, portanto, torná-la eficaz permitindo que as coisas aconteçam, para que a ação ocorra sem atividade. O vazio é um fundo inesgotável de efetividade. Em vez de empurrar para frente, permita-se ser empurrado.


Qualquer estratégia, portanto, parece, no final das contas, se resumir a simplesmente saber como implicar um efeito, saber como lidar com uma situação a montante (num fluxo ascendente) de tal forma que o efeito flua naturalmente dela. Levando essa lógica o mais longe possível, chegamos à seguinte conclusão: um bom estrategista é uma pessoa que sabe como lidar com um espaço vazio que se apresenta no centro de uma situação (uma condição que falta) de tal forma que um efeito compensatório, operando em seu favor, deve, inevitavelmente, produzir resultados.


Ficar preso a técnicas ou regras pré-estabelecidas é não aproveitar as oportunidades que a situação em curso apresenta a você. Aprenda a lidar com o fluxo a seu favor sem tentar antecipá-lo.

Podemos deduzir, então, que a eficácia é um efeito que ainda não foi preenchido e, portanto, tende a se desdobrar. Considerando que toda realidade é um processo contínuo, a eficácia não é algo que alguém deve procurar, ela precisa derivar naturalmente de um processo que está se desdobrando. Isso não significa que você não deve agir, mas deve fazê-lo o mais cedo possível. Quando mais cedo você age no curso das coisas, menos você precisa agir sobre elas. Ao acompanhar o início dos acontecimentos, pode-se, desde o início, aproveitar o máximo a menor possibilidade.


Esperar para agir no momento adequado lhe poupará energia, além de aumentar o potencial de seu sucesso. Mas quando for agir, aja rápido e implacavelmente.


Eficiência e imanência

Mas e quanto à eficiência? Qual é sua importância e como ela se distingue da eficácia no pensamento chinês? Enquanto a eficácia pode ser identificada e seus resultados são, portanto, diretamente perceptíveis, a eficiência passa despercebida. Desligada da noção de causa, ela parece ser uma eficácia que não está mais ligada a nenhuma ocasião particular, ela deriva da fluidez e da continuidade de um processo. Ao contrário da eficácia, ela não precisa ser desejada, pois deriva das condições implicadas numa situação. A eficiência é identificada com a imanência, que é a qualidade do que pertence à substância ou essência de algo, à sua interioridade, em contraste com a existência, real ou fictícia, de uma dimensão externa.


Para nós eficiente é ser produtivo, é buscar o melhor rendimento com o mínimo de erros possíveis, é ser competente e encontrar formas de resolver desafios antes mesmo que alguém peça. Para os chineses essa qualidade está desconectada de uma dimensão externa, ela está contida na essência de algo ou alguém.

Manipulação x persuasão

O que se compreende como manipulação no pensamento ocidental é extremamente pejorativo, dado que esta está associada com engano e dissimulação. Para o pensamento chinês, entretanto, não há escrúpulo em concebê-la como algo essencial no fluxo contínuo de um processo. Antes de imaginarmos isso como algo moralmente negativo, precisamos entender que, para os chineses, tudo se constitui num processo, incluindo o comportamento humano. Do seu ponto de vista, não há distinção entre o mundo e a consciência (ou a natureza e a vida interna do ser humano, as leis físicas e as leis morais, e assim por diante). A manipulação, nesse caso, se torna imperceptível.


A eficácia chinesa não consiste em agir contra ou a favor, lançando ataques ou se opondo a eles, mas simplesmente, dentro dos termos de um processo, em começar coisas ou interrompê-las (iniciando aquilo que é, à medida que se desenvolve, tende por conta própria ir na direção desejada; e interromper qualquer coisa, por menor que seja, mas já presente na situação, que pode fazer com que ela evolua de forma negativa). Como exemplifica o autor, um general manipula seu oponente para conduzi-lo a agir de acordo com sua vontade, mas induzindo-o a achar que está agindo livremente - você sempre poderá derrotar seu inimigo se começar a manipulá-lo antes dele tomar o primeiro passo. Por outro lado, a manipulação também pode ser utilizada como instrumento de opressão, dado que um déspota pode fazer com que seu povo acredite estar lutando por seus próprios interesses (seja por medo de uma punição quanto pelo desejo de recompensas), quando na verdade está apenas fortalecendo o poder opressor.


Vemos alguns exemplos disso em "A Arte da Guerra", de Sun Tzu. A melhor vitória é aquela obtida quando fazemos o oponente desistir de lutar e não destruindo-o por completo.


É importante destacar que a antiga China era a China dos estados combatentes, época que durou de meados do século V a.C. até a unificação da China por Qin Shi Huang em 221 a.c. Naquele período, traições, conspirações e revoltas eram comuns, e cada palavra pronunciada era imediatamente suspeita. Ninguém se deixava enganar por profissões de moralidade, com certeza. Não havia crença em qualquer forma de transcendência que trouxesse retribuição ou punição, nenhuma ilusão quanto à existência de um além. A ambição era o guia e a força a medida de todas as coisas. A persuasão, assim, era deixada de lado, dado que esta envolvia um esforço, um esforço que era considerado falível. Se uma pessoa desconfiasse de alguém, ela simplesmente seguia seu caminho.


Alguns dos grandes filósofos chineses surgiram mais ou menos nessa época, e seus ensinamentos versavam sobre temas ligados à moralidade, justiça, honra,o respeito às tradições e a conexão do indivíduo a uma realidade cósmica primordial. Era uma outra forma de conexão ao transcendente, diferente das religiões judaico-cristãs, mas não deixavam de conter uma espiritualidade imanente.


Por consequência, ao contrário do ocidente, na China pouca importância se dá aos procedimentos de argumentação, às figuras de retórica. Para os chineses, tudo depende de como o ouvinte está predisposto a ouvi-lo. Neste caso, assim como na guerra, você deve vencer antes mesmo de qualquer engajamento, antes do seu oponente começar a falar. Uma relação que envolva oratória é governada por uma manipulação estratégica. Você fala não para dizer algo ao outro, mas para fazê-lo falar (devemos levar em consideração que lá nunca houve uma democracia como no ocidente, e, portanto, o discurso sempre operou de maneira oblíqua, dado que era endereçado ao monarca e não ao público).


Ouvir mais do que falar. Também valorizamos esse corolário, mas por vaidade ou necessidade de provar nossos argumentos, poucas vezes nos lembramos dele.


A água como exemplo de eficácia

Como o autor conclui nos últimos dois capítulos do livro, uma boa forma de compreendermos a lógica do pensamento chinês é o uso da imagem da água. Os antigos pensadores chineses a tinham como a coisa mais próxima do Tao, O Caminho. Por sua infinita flexibilidade, forma não definida e fluxo constante, ela é um guia para o entendimento do conceito de imanência. Por se renovar constantemente e, fluindo de algum ponto invisível rio acima e nunca parando de prosseguir, a água representa eficácia. Podemos usar como exemplo uma pessoa que, ao se conformar a uma determinada condição, como a água no leito de um rio, se torna mais preparada para enfrentar as adversidades que encontra no caminho.


A imagem da água acumulada também nos ajuda a entender o conceito de potencial da situação, dado que, ao se acumular, ela concentra força, força essa que, concentrada num determinado ponto, pode superar um obstáculo mais forte. Mas é importante deixar claro que o potencial reside na situação, não em você, assim como a forma da água não está nela mesma, mas na configuração do terreno. Ser capaz de transformar a si mesmo em resposta às mudanças do seu adversário, de tal maneira a ser obter a vitória, é alcançar a eficiência.


A água representa a imagem da variabilidade estratégica chinesa. Por não possuir uma forma constante, torna-se impossível construir um modelo. Por isso, em vez de construir uma teoria das formas, o pensamento chinês estabelece um sistema de diferenças. Em vez de buscar identificar características comuns que são mais ou menos fixas, mais ou menos estáveis, ele se propõe a explorar os limites das possibilidades de mudança. Para o bom estrategista, nada é mais perigoso do que ficar imobilizado num caso particular, e nada é pior do que fixar regras e imperativos sobre ele mesmo.


O uso da água como exemplo de conformidade (a uma determinada situação) e de força, quando acumulada num determinado ponto, é perfeito para compreendermos o conceito de eficácia nas infinitas variáveis com as quais podemos nos deparar. Como a água, podemos contornar obstáculos e evitar conflitos desnecessários, ou, também como a água, removermos os obstáculos quando necessário.


A arrogância epistêmica ocidental x o não-enfrentamento chinês

O pensamento europeu pode ser interpretado como uma história do acúmulo progressivo da autoconsistência do indivíduo, que é a tendência mental que nós possuímos, como seres humanos, de acreditar que somos mais consistentes em nossas atitudes, crenças e opiniões do que verdadeiramente somos. Essa autoconsistência é a base da nossa arrogância epistêmica, na nossa pretensão de moldar o mundo à nossa maneira. O pensamento chinês, ao contrário, nunca teve essa pretensão. Para os chineses, o que se faz e o que se pode fazer se sobrepõe ao que se pode fazer e o que se quer fazer. Não há uma vontade superior. O realmente interessa, e o que este pensamento se propõe a explicar, é justamente o não-combate, o não-enfrentamento, o não-acontecimento, ou seja, em suma, o ordinário.


Nossa vontade de moldar o mundo à nossa volta e de impormos nosso modo de agir e de pensar alimentam não só a intolerância como também as ideologias que tendem a cindir nossa sociedade de forma beligerante e destrutiva.


Mas há um preço a pagar, afinal, e é um preço que, infelizmente, nenhum dos pensadores chineses, quaisquer que sejam suas tendências, parece jamais ter percebido. Enfrentar o mundo é uma forma de se libertar dele. Isso não apenas fornece a substância de histórias heroicas e júbilo para o indivíduo, mas, por meio da resistência, podemos abrir nosso caminho para a liberdade.


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