A ilusão da liberdade
John Gray utiliza conceitos de gnosticismo, ficção científica e ocultismo, misturando-os com tradições religiosas, filosóficas e fantásticas, para provocar em nós o questionamento sobre a ideia de liberdade humana. Com citações a obras de diversos autores, escritores e filósofos que bebiam destas fontes, ele nos convida (ou empurra) a uma reflexão instigante sobre as visões clássicas a respeito das incertezas do mundo e a ilusão moderna de que temos o controle sobre o destino de nossas vidas.
O título do livro foi inspirado na obra "O teatro de marionetes", de Heinrich von Kleist (1777-1811), escritor e dramaturgo alemão. Um fantoche, ou uma marionete, pode parecer a própria encarnação da falta de liberdade, pois não tem vontade própria, mas para Heinrich von Kleist, os fantoches representavam um tipo de liberdade que jamais estaria ao alcance dos seres humanos. Por não possuírem pensamento autorreflexivo ou autoconsciência, não encontram obstáculo para viver em liberdade. Os humanos, presos entre os movimentos mecânicos da carne e a liberdade do espírito, não estão realmente livres. Para Kleist, e outros que pensavam como ele, a liberdade não é simplesmente uma relação entre seres humanos: é, acima de tudo, um estado da alma em que o conflito foi deixado para trás.
Nas crenças monoteístas, como Gray cita no livro, a ânsia dos seus discípulos não seria pela liberdade de escolha, mas por se libertar da escolha. Por outro lado, se o desejo de liberdade de escolha é um impulso universal, ele está longe de ser o mais forte. Considerando o fato de que temos necessidades básicas para suprir antes da liberdade, sempre haverá muitos que se sintam felizes sem ela. Afinal, liberdade significa deixar que os outros vivam como quiserem e muitos desejam, como no passado, serem dominados por um tirano que possa prove-los destas necessidades.
No mundo atual, o Estado de vigilância é um aspecto integrante da globalização. Ao contrário do mundo mais fragmentado do passado e menos interconectado, hoje temos uma quase ubiquidade da fiscalização tecnológica em nome das "liberdades individuais". Para Gray, isso é consequência do declínio de sociedades coesas, que ocorreu paralelamente à demanda por estas liberdades. O progresso tecnológico acabou gerando um sistema de vigilância de alcance jamais imaginado.
Causa e consequência deste progresso, a crença no poder libertador do conhecimento tornou-se a ilusão dominante da humanidade moderna. A maioria quer acreditar que algum tipo de explicação ou compreensão vai libertá-los de seus conflitos, mas a ilusão está justamente nisso. Achamos que dispomos de um acesso privilegiado a nossos motivos e intenções, mas na verdade não temos um percepção clara do que nos leva a viver como vivemos. O que parece singularmente humano não é a consciência nem o livre arbítrio, mas o conflito interno – os impulsos conflitantes que nos separam de nós mesmos.
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