top of page
Foto do escritorDalmo Moreira Junior

The Demon in the Freezer: A True History - Richard Preston

Atualizado: 16 de ago.


Ciência a serviço da vida e da morte

Em tempos de pandemia, The Demon in the Freezer é um livro obrigatório para todos aqueles que buscam compreender os riscos de uma contaminação por vírus ou bactérias mortais. Informativo, e ao mesmo tempo assustador, ele traz à tona, baseado em fatos reais, o perigo real do bioterrorismo.


Publicado em 2002, a história começa com os atentados com Antraz nos Estados Unidos que ocorreram logo após o ataque terrorista de 11/09 (para quem não sabe, o Antraz é uma doença grave causada pela bactéria Bacillus anthracis, que pode comprometer o funcionamento do intestino e dos pulmões, podendo levar ao coma e ao óbito em poucos dias após a infecção). Cartas contendo esporos de Antraz foram enviadas para alguns escritórios de jornais e TVs e para os senadores democratas Tom Daschle e Patrick Leahy, matando cinco pessoas e infectando outras 17. De acordo com o FBI, a investigação que se seguiu tornou-se uma das maiores e mais complexas da história, mas nunca descobriram os culpados.


Mas a preocupação de alguns cientistas, principalmente àqueles ligados aos laboratórios do governo e das forças armadas que analisaram os esporos e investigaram sua origem, era que o Antraz pudesse ter sido apenas um veículo para disseminação de algo ainda mais mortal, como o vírus da varíola. E é nesse ponto que o livro se transforma numa espécie de thriller, conduzindo o leitor, através das histórias de pessoas ligadas à erradicação da varíola e às pesquisas que se seguiram depois, aos perigos reais da sua utilização como uma arma biológica.


Considerada a pior doença humana, a varíola matou mais gente do que qualquer outro patógeno infeccioso, incluindo a Peste Negra da Idade Média. Epidemiologistas acham, inclusive, que ela pode ter matado cerca de um bilhão de pessoas durante seus últimos cem anos de atividade na Terra, até o último caso relatado em 1979. Seu grau de letalidade pode chegar a 30% no seu tipo mais mortal e comum, a varíola maior.


A vacina tradicional para varíola é um vírus vivo chamado vaccinia, que foi descoberto em 1796 pelo médico inglês Edward Jenner. Jenner percebeu que as ordenhadoras de uma região do interior da Inglaterra não contraíam varíola, e supôs que o pus das bolhas das ordenhadeiras, infectadas com a varíola bovina (doença similar, porém menos virulenta), poderia proteger contra a varíola humana. Ele retirou material da lesão da ordenhadora Sarah Nelmes e inoculou-o no menino James Phipps, de 8 anos, que não desenvolveu a doença. O material utilizado para essa prática passou a ser chamado de vírus vaccinia, em referência ao termo em latim vaccinae, que denota a origem do material da vaca.


Acredita-se que a vacina tradicional de varíola ofereça proteção até quatro dias após a inalação de uma pessoa com o vírus. Entretanto, apesar de ser efetiva contra a doença, algumas pessoas têm uma reação ruim a ela, e uma pequena fração pode se tornar extremamente doente e morrer. Pesquisas foram feitas para encontrar uma nova vacina com menos efeitos colaterais, mas até hoje sem sucesso. A dificuldade em obter autorização da OMS e das principais autoridades de saúde para manipular o vírus é uma das explicações.


Uma interessante passagem no livro, e emblemática para os tempos em que vivemos, é a observação que o autor faz sobre a hipótese da vacina ser dada indiscriminadamente a todos nos Estados Unidos, no início dos anos 2000, como prevenção a um suposto ataque terrorista: "Dada à suspeita de que pelo menos 300 pessoas morreriam, ou talvez mil ou mais - ninguém realmente sabe - e muitas outras ficariam doentes, seria um dos maiores escândalos na história da indústria farmacêutica se uma empresa do setor comercializasse uma droga como essa". Vale lembrar que a população americana na época era de aproximadamente 280 milhões de pessoas.


Apesar de erradicada como doença há mais de 40 anos, após um esforço monumental da OMS em identificar as populações contaminadas e vaciná-las, amostras do vírus ainda são mantidas congeladas em dois laboratórios oficiais: um na Rússia e outro nos Estados Unidos. Bem, pelo menos essa é a versão oficial, mas que poucos acreditam. O livro levanta suspeitas que alguns países, inclusive alguns ligados ao terrorismo, obtiveram amostras do vírus.


Partículas de varíola são do mesmo tamanho que partículas de fumaça, e se comportam exatamente como tal, espalhando-se pelo ar de maneira imperceptível. Isso faz com que seu grau de dispersão seja enorme e, em se tratando de áreas densamente povoadas, quase incontrolável. Apesar de ser agora exótica para a espécie humana, ela é altamente infecciosa, letal, e difícil ou impossível de curar.


A varíola, como arma, não pode ser usada em um ataque limitado: ela é projetada para sair do controle e matar um grande número de pessoas indiscriminadamente. Segundo Peter Jahrling, microbiologista que trabalha para o exército dos EUA e que concentrou sua pesquisa no desenvolvimento de modelos animais para vírus que infectam humanos e estratégias de vacinação, "lançar uma bomba atômica pode causar baixas em uma área específica, mas uma bomba que contenha varíola pode engolir o mundo inteiro".


Ao citar sua experiência com o Dr. Nanhai Chen, virologista e expert no DNA do vírus da vacina contra a varíola, que estava desenvolvimento um supervírus para ratos, o autor se defronta com o fato de que não é difícil desenvolver um vírus em laboratório e que qualquer um pode aprender a fazer isso. A única coisa que impediria a criação de um supervírus contra humanos seria, então, apenas o grau responsabilidade de biólogos e especialistas no assunto. Dada a natureza humana e a sua própria história, poderia ser perfeitamente possível que alguém estivesse manipulando o vírus da varíola, ou algo ainda pior, neste momento. A ciência, como qualquer outra atividade, também é permeada de idiossincrasias e vicissitudes que levam à arrogância e à ambição por poder. Um exemplo disso é que nunca se chegou a um consenso sobre a destruição das amostras em laboratório do vírus da varíola, apesar da questão ter sido levantada algumas vezes pelos cientistas e autoridades responsáveis pela sua guarda.


Antes da erradicação, dois milhões de pessoas morriam de varíola por ano. Seu fim como doença natural salvou efetivamente 50 a 60 milhões de vidas humanas. Entretanto, como resume bem o autor, "infelizmente podemos ter erradicado a doença, mas não foi possível arrancar o vírus do coração humano".



A versão em inglês, publicada pela Random House, está disponível para o Kindle, onde o preço é bem mais acessível. Clique aqui para acessar a loja da Amazon.


Notas sobre o autor:

O americano Richard Preston é autor de 10 livros bestsellers, entre não-ficção e ficção, que já foram publicados em mais de 35 idiomas. Suas obras são baseadas em extensas pesquisas e entrevistas de fundo. Preston também é colaborador do The New Yorker, e todos os seus livros de não-ficção apareceram pela primeira vez como artigos por lá. Seus prêmios incluem o prêmio de redação científica do Instituto Americano de Física e o National Magazine Award, e ele é o único não-médico a receber o Prêmio Campeão de Prevenção do Centro de Controle de Doenças. Curiosidade: um asteroide que ganhou o seu nome (asteroide 3792 Preston) viaja em uma órbita perto de Marte e pode, algum dia, colidir com a Terra.







67 visualizações0 comentário

Posts recentes

Ver tudo

Comments

Rated 0 out of 5 stars.
No ratings yet

Add a rating
bottom of page