Um desfecho memorável
16 anos após a publicação do primeiro volume da saga, Crônicas Saxônicas finalmente chega ao fim. Para quem leu todos os volumes até aqui, "O Senhor da Guerra" é uma despedida em grande estilo. Um desfecho digno da importância histórica dos eventos que marcaram a criação da Inglaterra e também da criatividade e talento de Bernard Cornwell para recriar a atmosfera da época. O protagonista, Uhtred de Bebbanburg, personagem criado pelo autor para conduzir toda a trama, personifica a imagem do grande guerreiro e do cavaleiro medieval. Possuidor de uma personalidade marcante e sedutora, era implacável com seus inimigos, fiel a seus companheiros e, acima de tudo, honrado nas suas palavras.
Considerado um dos mais importantes escritores britânicos da atualidade, Bernard Cornwell já publicou mais de 40 livros e teve obras traduzidas para mais de 16 idiomas. Apaixonado por História e pela Inglaterra em especial, produziu uma série de romances históricos que retratam conflitos ocorridos em território inglês, como na série "A Busca do Graal" ou ainda em crônicas como as do Rei Artur.
Cornwell nasceu em Londres, em 1944, durante a Segunda Guerra Mundial. Criado em um lar conflituoso com outras quatro crianças adotadas, ele nunca acreditou na religião e cresceu um ateu convicto. Interessado desde cedo por assuntos militares, também era fascinado por barcos e por velejar. Formado em História pela Universidade de Londres, decidiu virar escritor ao se mudar para os Estados Unidos e se casar com Judy, uma americana que conheceu na Inglaterra. Ele escolheu escrever sobre ficção histórica porque era algo que ele gostava de ler.
Crônicas Saxônicas conta como a Inglaterra, como nação, foi idealizada e começou a tomar forma sob o reinado de Alfredo, o Grande. Antes disso acontecer, um pouco antes de 900 d.c., as Ilhas Britânicas eram ocupadas por saxões, bretões, irlandeses e escoceses. Wessex, Mércia, Ânglia Oriental e Nortúmbria, reinos saxões que formariam a Inglaterra que conhecemos hoje, eram constantemente ameaçados por disputas internas, guerras com os reinos vizinhos e invasões de dinamarqueses e noruegueses. Estes últimos vinham, inicialmente, em busca de saques, mas logo depois começaram a trazer suas famílias e exércitos para ocupar e colonizar as ilhas britânicas como um todo. Eles chegaram a ocupar dois terços da Inglaterra, do leste ao norte da ilha, chegando à costa noroeste e ao mar da Irlanda. E é justamente sobre a luta dos saxões com os invasores e seus vizinhos, para formar a tão sonhada Inglaterra, que a saga se desenrola.
Uhtred, nascido na fortaleza de Bebbanburg, no reino da Nortúmbria, norte da Inglaterra, perdeu o pai numa batalha contra os invasores dinamarqueses e foi capturado e criado por Ragnar Ragnarson, um jarl dinamarquês, tornando-se logo depois seu filho adotivo. Seu tio, aproveitando sua ausência, usurpou a fortaleza e as terras que ela controlava, que englobavam por parte do território nordeste da Nortúmbria. Uhtred, então, passa a sonhar com a retomada de suas terras por direito, mas após a morte de Ragnar, ele é forçado a lutar contra os dinamarqueses a serviço do então rei de Wessex, Alfredo. Preso à promessa de servir ao Rei, ele acaba tomando parte de um sonho que não era seu, a criação da Inglaterra, mas sem perder de vista o seu próprio.
Como já foi descrito nas resenhas de alguns dos livros anteriores, Uhtred se torna, ao longo de sua vida, um guerreiro formidável e temido, e, também, um homem com fortes convicções de lealdade e honra. Mesmo batizado, mantém sua fé nos deuses nórdicos, herança de sua convivência com os dinamarqueses. Sua crença no destino é a base de sua perseverança e determinação.
Nesse último livro, o neto de Alfredo, Ethelstan, incube-se de concluir o trabalho iniciado pelo avô, unindo todos os reinos saxões em prol da consolidação do seu poder e da criação da tão sonhada Inglaterra. Uhtred, já senhor de Bebbanburg, é novamente envolvido numa guerra que não era sua, mas preso à promessa de servir Ethelstan, assim como havia feito anteriormente com Alfredo, resolve cumprir seu destino. Recheada de grandes batalhas e reviravoltas, a história surpreende mesmo aqueles que, como eu, acompanharam a saga desde o início. Traições, reconciliações e surpresas prendem nossa atenção, e fazem com que cada capítulo seja antecedido por excitação e ansiedade. Ao final, Ethelstan conclui o sonho de Alfredo e se torna o primeiro rei da Inglaterra, garantindo o domínio da Nortúmbria e dando a Uhtred o controle do norte do país. Numa época em que espadas, lanças, machados e escudos decidiam as guerras, a força e a coragem dos guerreiros determinavam quem ia viver e morrer. E foi assim que a Inglaterra foi forjada, com muito sangue e violência, mas também com homens hábeis e determinados a preservar a terra que seus ancestrais haviam conquistado.
Bernard Cornwell foi extremamente feliz ao criar um personagem fascinante e inseri-lo, de forma marcante, na história da formação da nação que viria a se tornar, por um tempo, o maior Império, em extensão de terras descontínuas, do mundo - uma terra de reis e rainhas poderosos, de Shakespeare, de Churchill, de Stephen Hawking, dos Beatles. Uhtred representou, com sua determinação e perseverança, o espírito de uma época distante - uma época em que lutar não era uma opção, mas uma necessidade. Um homem que fez as pazes com seu passado e deixou um legado para seus descendentes. Como ele mesmo gostava de dizer, Wyrd bið ful ãræd, "o destino é inexorável".
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