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Homens e mulheres de visão

Atualizado: 30 de nov. de 2023


É comum ouvirmos que Química é difícil, que o Químico ganha pouco, que o Químico não é valorizado, que boa parte das pesquisas não tem utilidades, etc. A Química tem um papel essencial no desenvolvimento de uma nação, sendo uma ciência central, onde aplicações tecnológicas oriundas do conhecimento científico têm grande repercussão no desenvolvimento de diversas áreas, como biotecnologia, ciência dos materiais, nanociências, ambiental, alimentos, higiene, energia, entre tantas outras.


Tudo passa pela Química!


Tudo que dispomos hoje, devemos boa parte agradecimento aos Químicos. Faça um exercício olhando ao seu lado e verás. Tente imaginar quem e como os objetos ao seu redor foram fabricados? Como nos alimentamos, vestimos, bebemos, higienizamos, medicamos, mobiliamos nossas casas, nos transportamos através de veículos e aviões e seus combustíveis, e assim por diante, tudo passou pela mente e pelas mãos de um Químico. Para honrar os Químicos que nos proporcionaram tamanho desenvolvimento, conforto e segurança, gosto de utilizar a frase escrita pela autora Ayn Rand, em seu livro “A Revolta de Atlas”:

"Através dos séculos existiram homens que deram os primeiros passos, por novas estradas, armados com nada além de sua própria visão”. Categoricamente, podemos reconhecer que Químicos e Químicas foram, em primeiro lugar, homens e mulheres de visão e, em segundo, grandes profissionais, dotados de muita educação e formação.


Ocorre que temos cada vez menos Químicos(as) atuantes no Brasil, uma profissão tão importante para o nosso futuro, mas que tem passado por transformações e que sofre com o desinteresse, principalmente dos jovens, no assunto. O problema é tão grave que, em diversos estados do Brasil, escolas de Química de renomadas faculdades privadas têm bloqueado a criação de novas turmas, por não haver alunos interessados em prestar vestibular ou pagar pelo ensino. Da mesma forma, os cursos de pós-graduação, de mestrado e de doutorado, que têm recebido pouquíssimos entrantes a cada ano.

Não é difícil prever um cenário onde convivemos sem a formação de profissionais que sejam capazes de transformar o conhecimento químico teórico/prático em tecnologias. Como poderemos produzir novos processos, riquezas, empregos e garantir a manutenção do desenvolvimento tecnológico e científico do nosso país e do mundo?

O problema parece surgir desde cedo, já na educação infantil, e se intensifica no ensino médio, onde são raras as escolas que ministram aulas de Química enfatizando a parte prática, apesar dela se constituir numa ciência essencialmente experimental. O baixo rendimento e o desinteresse dos alunos pela Química nesse nível de ensino, em todo o país, são notórios e as causas frequentemente apontadas como responsáveis por esta situação desconfortável e aflitiva são atribuídas ao preparo deficiente e à falta de atualização de professores, além das precárias e, em muitos casos, inexistentes condições materiais para o ensino prático de Química nas escolas. Tal paradigma, enraizado no nosso ensino, só mostra a crescente necessidade de mudanças e de atualizações nas metodologias de trabalho colocadas em exercício.


Num contraponto, estamos vivendo um momento considerado rico de novas possibilidades, ligadas desde as novas descobertas tratadas como de “fronteira do conhecimento” e que, em alguns casos, já seguem numa transição para logo chegarem ao consumidor. Como exemplo, temos os produtos em escala nano, já como realidade em diversos setores, o uso do grafeno e seus benefícios, além da transformação digital, através de ferramentas de linguagem, como o ChatGPT, ancorado nas ferramentas de inteligência artificial, do metaverso, que aproxima a forma de aprender, e as demandas crescentes por novos materiais que possam estar conectados e que serão aplicados ao mercado de IoT (internet das coisas).


Apesar da juventude enxergar este mundo de oportunidades, o mesmo não acontece quando falamos da capacidade de transformar estas oportunidades em monetização. Não é que a Química não seja atrativa financeiramente, mas como toda profissão de sucesso exige uma alta contrapartida para se percorrer o caminho e se atingir um retorno financeiro adequado. É como se a monetização ótima estivesse do outro lado de um rio e, para alcançá-la, é preciso atravessar uma ponte pênsil, instável, cheia de obstáculos e com diversas fases.


Conhecimento e habilidades em Química vêm de uma formação técnica e, para que se possa ser bem-sucedido, tanto no sentido de satisfação pessoal, ou seja aplicando propósito, quanto no sentido financeiro, podendo ter a Química como a base tanto do sustento, quanto de atingir-se um padrão de vida desejado, devemos entender que a formação em Química deve ter como base a educação, sendo que educação é diferente de formação. De nada adiantam dezenas de diplomas, ou conhecimentos teóricos, se não há conhecimento sobre filosofia, valores e virtudes, além da experiência prática genuína, onde o conhecimento filosófico foi aplicado de fato e os valores e virtudes vividos, como, por exemplo, desde a realização de um estágio como legado, até a gestão de grandes projetos ou corporações.


Grande parte dos problemas que serão enfrentados pelos Químicos em sua jornada de desenvolvimento profissional vem do cunho das relações humanas, e estes estão intimamente ligado a valores. Assim, os profissionais que se atentarem à busca da educação clássica terão diferencial em relação aos demais. É aí onde reside uma diferença crucial no que se tem disponível no Brasil, desde a educação infantil, até a formação em pós-graduação. Falo isto por experiência pessoal, felizmente tive a base de educação em uma escola chamada Sagrado Coração de Jesus, regida pela Congregação das Irmãs de Santa Catarina e orientada pelas diretrizes cristãs e pela busca da verdade. A partir da convicção da busca da verdade, não é difícil você se desenvolver frente à formação técnica. Além disso, ela traz a base para se vencer os obstáculos que também existirão no cunho técnico, tais como barreiras e incertezas tecnológicas ligadas à fronteira da inovação e do conhecimento.


Multiplicar aprendizado significa multiplicar resultados e propósito.

Recentemente, li o best-seller “Organizações Exponenciais”, dos autores Salim Ismail, Yuri Van Geest e Michael S. Malone, e nele praticamente não vemos exemplos de empresas do ramo químico. Ora, empresas, escolas e faculdades são feitas a partir de pessoas que empreendem, isso indica que os Químicos pouco ou ainda não empreendem em empresas do tipo ExO. A partir deste raciocínio, vem o questionamento e um novo mindset: como construir modelos de negócios ExO na Química nas empresas e como eles se originam na educação clássica e na formação de qualidade? O livro cita o termo “abundância” e defende o compartilhamento de informações. Então, já foi o tempo que químicos ou pesquisadores guardavam para si as suas descobertas, invenções ou equipamentos no laboratório. O mundo pede trabalhos e resultados compartilhados e conectados.


Discutimos atualmente, a todo tempo, nas escolas e universidades, como serão as profissões do futuro. Se eu pudesse apostar, diria que os Químicos vão estar nos top five das profissões mais importantes na próxima década, isso porque a transformação digital que estamos vivendo trará à tona, na Química, a abundância de aprendizados, resultados e propósito, possibilitando o desenvolvimento de profissionais químicos (pesquisadores, professores e industriais) com novos skills e preparados para o desenvolvimento de Modelos de Negócios Exponenciais.


Independente da alocação de carreira do Químico, uma coisa é certa: durante a sua atuação, a pessoa estará apta à criação de produtos e serviços, sejam eles moléculas, aulas, materiais compósitos, cursos de formação, compostos blend e formulações, perícias, produtos acabados, pesquisas de mercado, etc. Haverá monetização diferenciada em cima da criação apenas se o mercado demandar por tal entrega e se este cumprir as regras do livre mercado (melhor preço e qualidade em relação à concorrência e fazer sentido para o “rei”, o consumidor).


Para se diferenciar, uma alternativa importante é utilizar a pós-graduação como uma ferramenta para a formação e, também, para apoiar o desenvolvimento de produtos e serviços. A maioria das faculdades e professores não divulga, ou até desconhece, mas um aluno de pós-graduação pode sim trabalhar na sua área de interesse da pesquisa. O Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) definem, através do Decreto nº 6.316, de 20/12/2007, e do Decreto nº 4.728, de 09/06/2003, em seu artigo 1º, que os bolsistas da CAPES e do CNPq, matriculados em programas de pós-graduação no país, poderão receber complementação financeira proveniente de outras fontes, desde que se dediquem a atividades relacionadas à sua área de atuação e de interesse para sua formação acadêmica, científica e tecnológica.


- Podemos mudar este cenário? Você deve estar se perguntando como?


A resposta para pergunta acima é “Sim”. Foi cursando pós-graduação e trabalhando que adquiri inúmeras habilidades que me trouxeram diferencial como Química.


E eu lhe convido a conhecer um pouco da minha história na Química e, quem sabe, futuramente, você se aprofundar no assunto vendo a Química por um novo mindset. O mindset do empreendedorismo multiplicador e da busca pela educação e pela formação.


Iniciei na Química no curso técnico da Fundação Liberato Salzano Vieira da Cunha, em Novo Hamburgo (RS), com 14 anos e, desde então, já estavam na minha rotina, tanto teórica, quanto experimental, Química Geral, Físico-Química, Química Orgânica, Química Analítica, foram quatro anos. Lá na Liberato, como chamávamos carinhosamente a escola, desde de 2004, já éramos preparados para atuar com ESPÍRITO EMPREENDEDOR. As aulas práticas eram em grupos de quatro alunos, mas as provas práticas eram individuais, ou seja, trabalho coletivo, responsabilidade individual.


Tínhamos três anos de ensino médio híbrido (currículo convencional + disciplinas de Química) e um chamado quarto ano exclusivo para o ensino técnico. Neste período, cada disciplina tratava áreas industriais distintas, inclusive com visitas técnicas a empresas. Naquele momento, com 17, 18, 19 anos, estávamos visitando polos petroquímicos, empresas de eletroquímica, de tintas, de borrachas, de tratamento de efluentes, de couro, entre outras.


Tudo que estudávamos teoricamente era replicado na prática em laboratório e, depois, era visto industrialmente. Não havia restrições para acesso aos complexos industriais, em contraponto às práticas corporativas atuais, onde diversas barreiras são impostas aos professores que querem fazer saída de campo, dificultando o seu trabalho.


Complementarmente a parte principal, que eu considero o ponto crítico de sucesso, a escola exigia um estágio final de 320 horas em uma empresa, realizando atividades práticas e, ainda, quem desejasse, era liberado para atuar com pré-estágio desde o primeiro ano (de três meses, em contraturno).


Naquele tempo, a legislação de estágios não existia nos moldes de hoje, podia-se trabalhar oito horas, onde o estagiário era tratado como um aprendiz e, além de formação, também recebia educação. Hoje, um estagiário pode trabalhar apenas seis horas, o que por óbvio prejudica demais o seu acesso ao conhecimento, sem contar o “stress burocrático” que o estagiário e a empresa são submetidos para que o mesmo possa ser contratado. Uma distorção absurda em relação ao objetivo primário do estágio.


A escola era de adolescentes, mas as responsabilidades e as oportunidades oferecidas eram de adultos.


Após, eu ingressei na Química Industrial da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), onde eu tinha alguns colegas do técnico, mas éramos em 10% no máximo dos matriculados. Sempre trabalhei junto com a faculdade e lá se foram sete anos para me formar, enquanto diversos dos meus colegas já haviam concluído o mestrado.


Ao cursar uma faculdade de Química, há um esforço muito alto, pois não se trata apenas Química, mas sim, de Física, Cálculos, Aulas Práticas, Orgânica, Inorgânica, Físico-Química, todas I, II e III, Catálise, Radioatividade, Forense, Instrumental, Analítica Qualitativa, Quantitativa, e por aí vai. Para se formar, o aluno precisa tomar decisões que impliquem em dedicar seu tempo aos estudos, abdicando do seu tempo com a família, de lazer, entretenimento ou esportes. Neste momento, buscar o equilíbrio é uma “luta”.

Ocorre que, quando entrei na Escola de Química da UFRGS, tive acesso ao que existe de melhor em relação ao conhecimento científico disponível a todos alunos, com uma certa isonomia global, como, por exemplo, métodos analíticos, entendimento de modelos matemáticos que materializam como de fato as reações aconteciam, etc. Um leque de ferramentas úteis que se conectavam com meu conhecimento prático (estágio, trabalho, congressos, cursos, etc.). Rapidamente, fui criando uma bagagem técnico-cientifica bem interessante, e aí que vem o empreendedorismo, pois eu me sentia incomodada na universidade, pela falta do contato com as fábricas e com quem produz, provocada pela minha vivência no curso técnico. Pairava, então, na minha cabeça, “mas como pode tanta coisa rica não estar sendo levada adiante?”.


Pensando em atividades extracurriculares que agregassem à minha bagagem, decidi concorrer ao prêmio Santander de Empreendedorismo, em 2012, momento em que eu havia registrado minha primeira patente com a UFRGS, ambas as atividades com apoio da Orientadora Michèle Oberson de Souza e, em paralelo, já estava ingressando no Mestrado de Ciências dos Materiais. Felizmente, tive a oportunidade de ser vencedora, com mais três participantes, dentre seis mil inscritos. Com o prêmio, recebi R$ 50.000,00, em dinheiro e, também, tive a oportunidade de participar (com tudo pago) de um curso de Empreendedorismo e Inovação, em Babson College, nos Estados Unidos. Começava aí a minha formação orientada a uma visão: me tornar uma profissional Química diferenciada.


Eu já me considerava uma “especialista em produto e processo” e, após Babson, eu me tornei especialista em projeto. Fiz um curso de Gestora de Projetos, pelo Instituto Euvaldo Lodi (algo em torno de oito meses, todos os finais de semana) e, na sequência, uma pós-graduação em Direito e Economia, de forma até inconsciente, movida à busca pela verdade. Lá, tive pela primeira vez o contato com a leitura de “Ação Humana”, de Ludwig Von Mises, e o entendimento da necessidade dos estudos em Economia, para que estes me ajudassem na Química.


Grandes aprendizados vieram dali. Na parte VII do livro, Ludwig Von Mises discute sobre “o lugar da ciência econômica na sociedade”, conforme algumas das suas citações:


“Segundo uma tradição milenar, o objetivo das universidades não é apenas o ensino, mas também a promoção do conhecimento e da ciência. O dever do professor universitário não é somente transmitir ao aluno o complexo de conhecimentos desenvolvido por outros. Ele deveria contribuir para a ampliação desse tesouro por seu próprio trabalho”.


“Essa ideia da igualdade de todos os professores é, obviamente, fictícia. Há uma enorme diferença entre o trabalho criativo do gênio e a monografia do especialista”.


“Nunca houve, ao mesmo tempo, mais de uma dúzia de homens cujo trabalho tivesse contribuído com algo essencial à economia. O número de homens criativo é tão pequeno em economia quanto em outros campos da aprendizagem”.


De um lado temos um best-seller e de outro um clássico da economia. A partir dos aprendizados de ambos, percebi que, para a Química fazer sentido para mim, ela tinha que ser útil aos outros, e você só faz isso entregando o seu trabalho e o que você produziu. Uma forma que eu encontrei de materializar essa filosofia foi através da criação de #moléculasvaliosas.


#moléculasvaliosas compõem o sonho de alguém, tratam da transformação de uma ou mais pessoas, visam também desenvolver o trabalho, transcendendo-o em valores, virtudes, eficácia e eficiência.


Eu considero a minha jornada na Química ainda curta em relação ao tempo, porém, considero-a intensa, se contabilizados os resultados alcançados, os aprendizados, o retorno pessoal e o propósito. Se eu penso, hoje, o que mais me orgulha do que já fiz até agora, não tenho dúvida de dizer que foi ter conseguido realizar uma patente durante a graduação, e o fato da mesma já ter sido aplicada, retornando em royalties para a universidade. Ela ainda não foi licenciada, de forma a ter um grande alcance de mercado, e de fato eu não monetizei por hora diretamente com royalties. Apesar disso, são imensuráveis todos os ganhos, pela aprendizagem que obtive após o depósito e, também, pelos benefícios que a mesma reverberou na universidade, em especial pelo empreendedorismo envolvido. Sempre penso que, se eu tivesse respondido para mim mesma que não iria ganhar nada com isso, ou se tivesse tomado decisões utilitaristas e imediatistas, e não tivesse feito o depósito, realmente eu não teria ganho nada.


Me chama atenção quando alguém sabe da patente e me pergunta: - Você ganha royalties? Eu respondo: - Não. Neste momento, duas atitudes são esperadas:


· A pessoa diz: - Não se preocupe, se você continuar trabalhando, em breve, além de tudo de bom que já trouxe para você e para universidade, também trará resultado financeiro e irá ganhar o mundo.


· Ou a pessoa diz: - Nossa, mas não valeu a pena então para você, tanto esforço e não ganhou nada.


Imediatamente, eu penso que a primeira pessoa tem educação e compreende virtude e valores. Já a segunda, por óbvio, me faz pensar ao contrário, que ela não enxerga o que ela não pode tocar.


Por fim, novamente me remeto à leitura, onde Ludwig Von Mises também afirma:

“É da natureza inata do homem que ele procure preservar e fortalecer sua vida; que ele esteja descontente e que vise eliminar o desconforto; que ele esteja em busca da chamada felicidade. Em todo ser vivo, existe um Id inexplicável e não analisável. Esse id é a fonte de todos os impulsos, a força que leva o homem à vida e à ação, o desejo original e intangível de uma existência mais plena e feliz”.


Espero que este artigo motive pessoas a incentivarem jovens na jornada da Química, e lhe incentive a buscar uma carreira de virtude, propósito e profissionalismo. E quem sabe, em médio longo prazo, tanto a patente que desenvolvi com a universidade prospere, como a Química cresça e floresça no Brasil.


Dedico este artigo às duas Químicas e Mentoras, Tânia Finkler e Michèle Oberson de Souza.


Beijo cheio de #moleculasvaliosas.


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