Livraria não é biblioteca
Outro dia vi um post no Instagram que me causou um misto de espanto com revolta. Uma "bookgramer" (alguém que usa as redes sociais para divulgar livros) levou sua mãe para um passeio em uma livraria física que ambas consideraram “lindinha”. Passearam por entre as estantes, mostraram os cantinhos aconchegantes que a loja oferece para se sentar e folhear um livro enquanto se saboreia um espresso bem tirado.
Aproveitaram para admirar as lindas pilhas de livros na vitrine que alguém certamente passou algumas horas arrumando. Ao longo da visita, mostraram títulos que já leram e os que gostariam de ler. Tudo bem bacana, apesar de nenhuma divulgação de qual era a livraria ou de onde ficava. Isso, por si só, eu já considero meio estranho. Afinal, elas estavam ali se aproveitando de toda infraestrutura da loja para produzir um vídeo com objetivo que todo o perfil tem em comum: gerar likes e engajamento - para elas. Nada para a livraria. Mas a estranheza deu lugar ao choque quando a mocinha se vira pra mãe e fala: "agora que você já escolheu que livro você quer, vamos pra casa e comprar online. Aqui é muito caro".
Perceba o paradoxo. A pessoa quis aproveitar - para benefício próprio - toda a experiência que só uma livraria de rua ou de shopping pode proporcionar, mas não estava disposta a pagar nada por isso, nem que fosse a gentileza de marcar o perfil da livraria no post. E, mais, sua atitude também demonstra que ela continuará esperando, como que por mágica, que a livraria permaneça ali, indefinidamente à sua espera para o próximo post.
Bem, livraria não é biblioteca. Esta última, de alguma forma, tem um mantenedor público ou privado, a livraria não. A loja tem uma série de custos e obrigações para se manter “lindinha”. Será que essa moça não percebe que ao publicar algo assim e, pior, instigar seus seguidores a fazerem a mesma coisa, ela está contribuindo deliberadamente para que seja cada vez mais difícil termos espaços físicos para desfrutarmos da experiência insubstituível de se estar entre milhares de livros?
Será que os leitores estão se dando conta disso? Será que refletem sobre os motivos que levaram grandes redes do país à recuperação judicial e do porquê é cada vez mais difícil encontrar uma livraria em um shopping ou no seu bairro? Ou quais são as razões para aquelas que resistem bravamente de portas abertas simplesmente não terem como praticar os preços das livrarias virtuais?
Veja, eu posso falar com propriedade deste assunto pois já fui dona de uma livraria. A Amazon nem sonhava em operar no Brasil, mas nem por isso não tínhamos que lidar com a concorrência online. Era um enorme desafio, e a estratégia de manter nosso publico fiel sempre passou por diferenciais no atendimento, no ambiente acolhedor, na curadoria dos títulos, no charme da cafeteria. Minha livraria também era "lindinha", exatamente como a que descrevi acima, e seguiu aberta até sucumbir na pandemia.
Como leitora voraz, posso compreender muito bem também o lado do leitor. No Brasil, infelizmente, o livro é considerado caro para a maioria das pessoas e esse é um dos motivos pelos quais temos uma média pífia de 2 livros lidos por ano, per capita.
Os livros online são mais baratos? Sim e não. Se você quiser ler somente lançamentos, vai ser difícil mesmo encontrar na loja física um título por preço mais em conta simplesmente porque essa é uma estratégia de marketing agressiva das redes online (que não ganham nada com a venda desses livros, mas esperam que você acabe comprando algo de maior valor agregado no processo).
Mas ao procurar por livros de meio e fundo de catálogo, tão bons ou muitas vezes melhores do que grandes sucessos de vendas, você verá que os preços serão muito semelhantes. Porém, há um bônus em comprá-lo em uma loja física que nenhuma livraria virtual poderá te proporcionar: a experiência da curadoria, de ouvir do livreiro uma indicação qualificada com base nas suas expectativas de um titulo surpreendente do qual, muitas vezes, você nem sequer havia ouvido falar.
Eu morro de saudade da sensação prazerosa de receber o leitor de volta à livraria dando seu testemunho de quão excelente havia sido aquela indicação (caiu uma lágrima aqui...).
Por fim, deixo aqui um apelo. Na próxima vez que você tiver a oportunidade de estar em uma livraria física, desfrute-a. Converse com o livreiro, peça por uma sugestão de leitura com base nas suas preferências de um título que não esteja na vitrine e, se puder, compre algo. Ainda que seja mais caro que online, encare essa compra como um ato de resistência que contribuirá para que a livraria ainda esteja lá na sua próxima visita. E se você achou que tudo que eu disse fez sentido pra você, compartilhe esse post. As livrarias "lindinhas" certamente agradecerão.
E, por falar em livrarias "lindinhas", deixo aqui a sugestão para você conhecer As 5 livrarias mais lindas do Mundo
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