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Conclave - análise crítica

Atualizado: há 7 minutos


Vencedor do Oscar 2025 de Melhor Roteiro Adaptado, "Conclave" retrata o processo de eleição de um novo Papa após a morte do pontífice anterior, explorando as complexas dinâmicas de poder, fé e política dentro do Vaticano. Dirigido por Edward Berger, aclamado por seu trabalho em "Nada de Novo no Front" (vencedor de quatro estatuetas do Oscar), o filme oferece um olhar tenso e dicotômico entre tradição e progresso dentro da Igreja Católica contemporânea. Mas até que ponto essa representação cinematográfica faz justiça à complexidade da fé católica?


Baseado no romance homônimo de Robert Harris, "Conclave" nos apresenta um colégio cardinalício profundamente dividido após a morte do Papa. Guiados pelo Cardeal Lawrence (interpretado magistralmente por Ralph Fiennes), o Decano responsável por conduzir o processo eleitoral, vemos emergir, à medida que os votos se sucedem, uma clara polarização entre dois grupos antagônicos:


De um lado, o Cardeal Tedesco (Sergio Castellitto) representa a ala tradicionalista, preocupado com a perda dos valores perenes da Igreja fundada em Roma e com o que ele chama de "doutrina do relativismo". Do outro, o Cardeal Bellini (Stanley Tucci) lidera o grupo progressista, proclamando abertamente seu medo com a possível eleição de Tedesco e a perda do "progresso" obtido na Igreja nos últimos 60 anos.


Esta dramatização, embora cinematograficamente eficaz, simplifica os complexos debates teológicos e pastorais que ocorrem na Igreja real, reduzindo-os a uma disputa política e por poder que pouco reflete a natureza espiritual do discernimento eclesial. Cada cardeal com chances na disputa parece personificar uma agenda específica. Alguns, inclusive, de forma caricatural:


Tremblay emerge como o cardeal corrupto e ambicioso

Adeyemi carrega segredos familiares e posições anti-LGBT

Lawrence demonstra insegurança em sua própria fé

Bellini representa o progressismo radical

Tedesco encarna o tradicionalismo intransigente

Benitez, apresentado como humilde, revela-se portador de uma condição biológica que serve como ponto de virada na narrativa


Esta caracterização esquemática transforma o que deveria ser um momento de profunda busca pela vontade divina em um jogo de xadrez político onde cada movimento visa ganhar vantagem sobre o adversário. Alguns momentos do filme, inclusive, apresentam mensagens particularmente problemáticas para a compreensão da fé católica:


Na homilia do Cardeal Lawrence, somos apresentados à ideia de que "a certeza é a grande inimiga da união e da tolerância" e que "até Cristo teve dúvida." Esta relativização da verdade contrasta fortemente com o ensinamento católico sobre a natureza objetiva da verdade revelada e o papel da Igreja como sua guardiã.


Mais adiante, ouvimos do Cardeal Benitez que "a Igreja não é Roma, a Igreja não é a tradição, não é o passado, a Igreja é o que faremos daqui para frente." Esta falsa dicotomia entre tradição e futuro ignora a compreensão católica da Igreja como uma realidade viva que cresce organicamente, sempre em continuidade com seu passado.


É importante reconhecer, entretanto, os méritos artísticos do filme. Edward Berger demonstra maestria na criação de tensão e na direção de um elenco de primeira linha. Ralph Fiennes entrega uma performance cheia de nuances como o conflituoso Cardeal Lawrence, enquanto Stanley Tucci e John Lithgow estão muito bem em seus respectivos papéis.


A cinematografia, por sua vez, captura magnificamente a grandiosidade dos espaços do Vaticano, e a trilha sonora contribui para a atmosfera de suspense que permeia toda a narrativa. A produção primorosa recria com detalhes os rituais e ambientes da Igreja, mesmo que a interpretação desses elementos seja questionável.


Para os católicos, assistir "Conclave" requer um exercício de discernimento crítico. O filme oferece uma oportunidade para refletirmos sobre questões importantes que afetam a Igreja contemporânea, mas o faz através de uma lente que frequentemente distorce a natureza essencial da fé e da tradição católicas. A representação visual do filme, culminando com uma cena de "luz sobre trevas", sugere uma vitória do que se considera progressismo sobre a tradição, uma narrativa que simplifica e, em certa medida, caricaturiza o riquíssimo legado do pensamento católico.


"Conclave" é, sem dúvida, uma bela obra cinematográfica, mas devemos reconhecer que o filme oferece mais uma interpretação secular das dinâmicas eclesiais do que uma compreensão profunda da natureza espiritual da Igreja e de seus processos de discernimento. Para quem busca entretenimento e drama político em ambiente religioso, o filme certamente entrega o prometido. Para quem deseja uma representação autêntica da fé católica e da complexa interação entre tradição e renovação na Igreja, "Conclave" deixa a desejar em diversos aspectos fundamentais.


Ao final, talvez o maior valor do filme seja precisamente o debate que pode suscitar: qual é o verdadeiro papel da tradição na vida da Igreja? Como discernir autenticamente a vontade de Deus em tempos de mudança? E como permanecer fiéis ao depósito da fé enquanto respondemos aos desafios do mundo contemporâneo?


São questões que, diferentemente do que sugere o filme, não se resolvem com simplificações ideológicas, mas com um autêntico e humilde discernimento à luz da Tradição, da Escritura e do Magistério que Cristo confiou à Sua Igreja. Como São Paulo nos mostrou, a melhor maneira de amar a humanidade não é ceder às suas fraquezas e às contradições dos seus sentimentos, mas desejar o seu bem, mesmo contra ela própria e contra si.








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Às vésperas do Conclave que escolherá o sucesso do Papa Francisco, a crítica é totalmente pertinente, tanto para quem assistiu ao filme quanto para quem vai assistir.

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