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Rites of Spring - Modris Eksteins

Atualizado: 21 de fev. de 2022




A guerra que continua influenciando o mundo


A 1ª Guerra Mundial, ou Grande Guerra, foi o primeiro evento cataclísmico da humanidade no século XX, e o primeiro na história mundial em que a tecnologia e a indústria entraram para valer no campo de batalha. "Rites of Spring" (ou "A Sagração da Primavera" no título em português) é um livro que trata daquela guerra não sob uma perspectiva estratégica-militar, mas cultural e transformacional de um mundo em ebulição - o surgimento da consciência moderna, mais especificamente sua obsessão com a emancipação e com a ruptura das tradições.

O título do livro foi adaptado de um ballet e musical russo, composto por Igor Stravinsky e coreografado por Vaslav Nijinsky, que estreou em maio de 1913 em Paris e foi considerado um marco do modernismo. Stravisnky o definia como uma representação da Rússia pagã unificada por uma única ideia: o mistério e o surgimento do poder criativo da primavera. Polêmico, o ballet foi, ao mesmo tempo, rejeitado e aclamado pelo público por onde foi apresentado. Cabe ressaltar, como destaca o autor do livro, que a arte, ou senso estético, coadunando com o questionamento dos valores morais e sociais na virada do século XIX para o XX, se transformou numa questão de extrema importância para o mundo ocidental. Ela era vista como o caminho que levaria à liberdade e, portanto, polemizar era o meio de exercer essa liberdade e romper com o passado.

Transcrevendo e citando várias cartas de soldados que lutaram no front, além de outros relatos, o livro também nos leva ao coração da guerra - sua carnificina, crueldade, insensatez e, ao mesmo tempo, um retrato das transformações em curso que seriam a argamassa para os novos conflitos que se seguiram. Para os soldados ingleses e franceses, em especial os primeiros, o que estava em jogo era a preservação da ordem nacional e internacional que estava sob ataque. Enquanto um lado defendia um legado, o outro (alemão) defendia uma visão de futuro.

Nunca, em nenhuma outra guerra, tinha havido tantas mortes em tão pouco tempo e em espaços geográficos tão reduzidos. Somente nas duas batalhas de Verdun e a do Somme, os alemães perderam 800 mil homens, um pouco menos que franceses e ingleses. O uso intenso e sistemático de artilharia, metralhadoras e gases mortais (o mostarda foi mais utilizado) dizimava milhares de soldados instantaneamente, transformando a paisagem dos lugares devastados em amontoados de crateras, lama e pedaços de corpos em decomposição. Além das armas, doenças causadas pelo tempo rigoroso, subnutrição e insalubridade das trincheiras, também eram a causa de muitas baixas nos dois lados do conflito.

Logo após a guerra o clima no Ocidente, em especial na Europa, era de melancolia e arrependimento, acompanhado por uma ansiedade e excitação trêmulas. A juventude ganhou força com a rejeição aos valores da geração anterior, que era representada principalmente pelo pais que haviam mandado seus filhos para a guerra. A crescente independência da mulher, beneficiada com a intensa participação feminina no esforço de guerra, significou o enfraquecimento da autoridade paternalista. Moral e sexo se transformaram mais e mais numa questão de consciência individual e menos numa questão de preceitos sociais.

Entretanto, o radicalismo encontrou terreno fértil entre os jovens que, apesar de rejeitarem os valores da geração anterior, não conseguiram estabelecer um novo sistema de valores em detrimento do antigo. Os homens, em geral, estavam perdidos. A liberdade não era mais uma questão de ser livre para fazer o que era moralmente correto e eticamente responsável, ela se transformou numa questão pessoal e numa responsabilidade, acima de tudo, consigo mesmo.

Foi nesse contexto que o Nazismo, contrariando o estado de autocomiseração refletido na sociedade europeia dos anos 20, conseguiu fincar suas raízes e crescer. Mais do que um movimento político, ele foi uma erupção cultural. Era a apoteose de um idealismo secular que, incentivado por um senso de crise existencial, perdeu todo o traço de humildade e modéstia - na verdade, da própria realidade. Fronteiras e limites perderam o sentido.

A Grande Guerra foi o ponto de virada para a Alemanha e para o modernismo como um todo. A urgência de criar e a urgência de destruir trocaram de lugar. No final, as abstrações se transformaram em insanidade e tudo que restou foi destruição.





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